domingo, 12 de março de 2017

Casamento feliz. Sentimento não é amor.

Matrimônio: celebração da aliança ou dos sentimentos?

Depois de refletirmos sobre a vida sacramental e a vida em pecado, quero te “pro-vocar”, meu Visitante, a uma reflexão sobre o matrimônio e as suas vicissitudes. Alguns têm medo de casar, outros acham que “tem que casar” a todo custo; uns exaltam o matrimônio outros alegam ser um “purgatório”... O meu desejo é ajudar a descobrir a mais bela das vocações e a alertar, os que seguirem este caminho, para os maus entendidos, expectativas fantasiosas e egoísticas, em vista de evitar os dramas de separações.

Um “leigo” discursando aos “competentes”?
Iniciando esta catequese-reflexão compreendo, que no mundo em que se supervaloriza os “especialistas de tudo” e “tira chapéu” às celebridades, alguém pode ter receio quanto a habilitação de um frade religioso para pronunciar-se em questões do matrimônio e da família, que ele nem sequer tem experimentado. Ora, não é necessário ser casado para opinar e orientar nestas questões.
Será, que quem é casado, pelo próprio fato torna-se conhecedor da vasta problemática que envolve matrimônios e famílias? Vai ter um só conjugue (em certas situações mais) e uma família. Vai ter a sua própria, única experiência, sendo que os demais casados terão as próprias experiências diferentes da sua. Visto que cada pessoa é diferente, logo todos os matrimônios e todas as famílias são diferentes. Neste caso, o “nosso casado” não poderá ter pretensões de orientar os demais, simplesmente pelo fato de ser casado. Poderá, sim, falar das suas experiências, das suas vitórias e dos seus fracassos.
Um padre, cura das almas que, além da sua formação intelectual e espiritual, no seu dia-a-dia encontra-se constantemente com os mais diversos problemas deste gênero, o suficiente conhece a matéria que envolve a família e, como poucos, está apto para orientar e ensinar.

A “explosão” das crises
Desde que o mundo existe havia crises em todas as áreas de vida. Porém, na vida moderna, parece que elas estão se multiplicando desordenadamente e não se encontra mais nenhuma entidade que não fosse atingida, por algum tipo de crise. Acima de tudo reina a crise de autoridade, que dificulta a busca de soluções, pois para isto tem de haver a confiança.
A mais delicada crise e, ao mesmo tempo, a mais grave quanto as consequências, é aquela que atinge o matrimônio. Todos percebem as dificuldades que enfrentam os casais, no seu dia-a-dia. Fala-se, até, da crise da instituição do matrimônio, pois, o problema afeta não apenas um significante número de casais, mas a própria concepção do matrimônio. É uma crise aguda com tendência de se expandir, devido aos processos culturais e ideias do humanismo moderno, que acima de tudo, promove a felicidade subjetiva do indivíduo.

Sem dúvida, grandes são turbulências que envolvem a vida dos casais. Mas, será que de fato trata-se da crise de instituição conjugal? Esta instituição não está com algum problema. Não precisa de concerto, pois não é uma “invenção” humana e, sim, pensada e querida pelo Criador, conforme lemos: “Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda. … Depois, da costela tirada do homem, o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. E o homem exclamou: Desta vez sim, é osso dos meus ossos e carne de minha carne. … Por isso deixará o homem o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne” (Gen 2,4-25).
O Catecismo da Igreja Católica, também, nos lembra que: “O casamento está inscrito na própria natureza do homem e da mulher, conforme saíram da mão do Criador. O casamento não é uma instituição simplesmente humana, apesar das inúmeras variações que sofreu no curso dos séculos, nas diferentes culturas, estruturas sociais e atitudes espirituais. Essas diversidades não devem fazer esquecer os traços comuns e permanentes. (...) Existe em todas as culturas, um certo sentido da grandeza da união matrimonial” (1603).

A crise que atinge o Matrimônio e Família é uma crise de identidade do ser humano. A imaturidade e desorientação do homem moderno são uma real ameaça do Matrimonio e da Família. A grande maioria dos que decidem contrair o Sacramento do Matrimônio, não têm consciência do que é matrimônio e que tipo de amor, constitui o seu fundamento. A preparação de noivos para o matrimônio tornou-se um ato formal (uma das condições para “casar na igreja”) e não atinge a mentalidade já formada (distante do espírito cristão do matrimônio), até mesmo, porque o casamento já está marcado e “tudo já está preparado”...

O amor é exigente
É necessário conscientizar a todos, que a vida matrimonial não é um meio para encontrar a segurança e satisfação dos desejos, mas é um compromisso, uma aliança, uma responsabilidade, que se assume com ”temor e tremor” (Flp 2,12-16). A Igreja nos lembra através do Catecismo: “Deus, que criou o homem por amor, também o chamou para o amor, vocação fundamental e inata de todo ser humano. Pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que é Amor. Tendo-os Deus criado homem e mulher, seu amor mútuo se torna uma imagem do amor absoluto e indefectível de Deus pelo homem. Esse amor é bom, muito bom, aos olhos do Criador” (1604).


Ser chamado “para o amor” significa estar disposto a oferecer-se a si mesmo pelo bem e pela felicidade do outro. Esta é natureza do amor revelado por Jesus Cristo. Amar matrimonialmente é, fazer a oblação da própria vida, amar como Cristo amou a humanidade. O matrimônio cristão é sinal do amor de Cristo (por isso é Sacramento, ou seja: sinal sagrado visível, sensível e eficaz), que deu a vida pela Igreja, e o amor de Cristo pela Igreja é sinal e modelo para o amor matrimonial. Durante a celebração do Matrimônio o presidente reza: “Ó Deus que, para revelar vosso plano de amor, quisestes prenunciar no amor do esposo e da esposa a aliança que contraístes com o vosso povo, assim, no matrimônio dos vossos fiéis, elevado à plenitude do sacramento, resplandece o mistério nupcial do Cristo e da Igreja” (Rito do Matrimônio – Bênção Nupcial).

Com toda razão disse “alguém” que “o amor não é chocolate”. E não é. Ele não é para satisfazer paladares (qualquer tipo). O amor é exigente. Assim ensina Jesus Cristo. E são Paulo, ciente disso, referindo-se ao amor conjugal diz:  “Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres o sejam aos maridos, como ao Senhor. Pois o marido é a cabeça da mulher, como Cristo também é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual ele é o Salvador. Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo também amou a Igreja e se entregou por ela” (Ef 5,21-23.25).

Provavelmente, muitos dos que aspiram casar “na igreja” não sabem que não têm direito ao Sacramento, pelo simples fato de querer coabitar, ou “legalizar” o seu relacionamento, pois o Sacramento não é um dos direitos comuns da sociedade, mas é privilégio dos amigos de Deus, que querem viver segundo a Sua Lei, em todas as situações de vida. Quando falta esta consciência e esta disposição pode-se tratar do sacrilégio (grave ato de impiedade que profana as coisas sagradas). A celebração torna-se um teatro barato, em vez de ser espaço de nobre celebração das núpcias dos filhos de Deus e da alegria “do Céu e da terra”.

“Não gosto mais de você”.
Um dos argumentos mais frequentes para justificar a separação matrimonial e o divórcio é um esvaziamento afetivo. Um “não gosto mais de você” parece ter poder de legitimar a separação. Basta tal frase, para destruir aliança, sonhos e, não poucas vezes, filhos inocentes, as maiores vítimas destes dramas. Nestas ocasiões costumo dizer: “não é necessário gostar, mas necessário é amar”. Para isto foi feita uma aliança (simbolizada pelo anel no dedo dos conjugues); para viver no amor a exemplo de uma vela, que ao emitir a luz e o calor, consome-se a si mesma.

As expectativas egoísticas das pessoas marcadas pelas carências e traumas (vindas muitas vezes da infância) procuram ver o outro, como potencial fonte para satisfazer as suas carências (geralmente inconscientes) e alimentar a afetividade imatura. Infelizmente, os sentimentos são muito instáveis. Mudam de uma hora para a outra. Portanto, não servem como fundamento adequado para se construir uma vida. Seria uma construção sobre areia... (Mt 7,26-27).
A aliança matrimonial, que constitui uma família, é um pacto entre homem e mulher, um compromisso vital entre duas histórias de vida. Não é um “casamento dos sentimentos”, que com o passar do tempo podem se alterar ou “morrer” e, vai restar: “não gosto mais de você”. Na cerimônia da celebração do matrimônio os conjugues dizem: “Eu (diz o nome) te recebo (diz o nome) por minha esposa (por meu marido) e te prometo...”. Te recebo, como uma pessoa, como totalidade. Te recebo para a minha vida, com tudo que você é. Recebo-te com teus sentimentos, mas também com teus traumas e tuas carências. Enfim, recebo-te com toda tua história e com a tua família.

A amor matrimonial no cotidiano expressa-se no labor do dia-a-dia, na renúncia a si mesmo, suportar as fraquezas e defeitos do outro (também dos filhos), na prontidão generosa para servir sempre, mesmo nas indisposições pessoais. Quem se apoia apenas nos sentimentos não será capaz amar deste jeito. Sem querer, será causa de sofrimento e de conflitos. Por isso, os casais juram um ao outro o amor (não sentimentos) na fidelidade e no respeito, em todas as circunstâncias de vida.

Ajudar a um “coitado”
A celebração do matrimônio deve ser precedida por um adequado tempo de namoro, suficiente para se conhecer mutuamente (não deve ser menos de um ano e mais de cinco anos). É extremamente importante este tempo, até mesmo para os sentimentos se estabilizarem um pouco mais. O afloramento e alimentação dos sentimentos tenderá para convivência sexual que, infelizmente, é a pior opção para um namoro verdadeiro e responsável. Esta questão vamos deixar para outra ocasião, pois agora gostaria de abordar a mal-entendida compaixão, a “dor pelo coitado”, uma das causas de fragilidade matrimonial.

Geralmente, no fundo está a decisão antecipada para casar. “Pula-se” tempo necessário para o namoro, não somente pela falta de controle afetiva ou da sexualidade, mas também, pelo sentimento de infelicidade na casa dos pais ou na vida pessoal, ou pela dor por enamorado, que “não é compreendido” pelos outros, que está viciado de entorpecentes, que não tem iniciativa para nada, que todos se aproveitam dele e é preciso ajudá-lo, etc. A criatura espera, ilude-se que o próprio casamento vai solucionar estes problemas, seja pessoais, seja do enamorado, e que isto a faria realizada por “salvar o coitado”.

Neste caso o matrimônio é uma fuga de casa ou da verdade (sobre si mesmo e sobre o outro), em vez de ser uma decisão de amar, de fazer doação de si mesmo. Depois do tal casamento “os olhos se abrem” e a realidade “crua e nua” desmente sonhos de fantasia e expectativas sem fundamento. Percebe que não ajudou a si mesmo e não ajudou ao “coitado”, que como tinha problemas, continua tendo e, muitas vezes, ainda mais graves. Além da decepção resta o que?...

Como ajudar de verdade?
Formar mentalidades, ajudar buscar o sentido concreto de vida, ensinar a responsabilidade... Para isto Igreja possui vários meios. É lamentável, que sobretudo hoje, a Igreja não consegue usar seus recursos efetivamente. A sociedade se torna cada vez mais descristianizada e desacralizada, o que impregna sobretudo as famílias. Mesmo tendo contato com as crianças e adolescentes (depois da Crisma, só o “curso de noivos”), não é possível formar as mentalidades, devido a pouco tempo que os pais oferecem (natação, inglês, música, caratê, chácara, etc.) e a força dos hábitos familiares que “imunizam” os filhos ao que é difícil.
Nestas circunstâncias a Igreja tenta prevenir e impedir as celebrações de matrimônios, diante das evidentes situações problemáticas, que, potencialmente resultarão em separação. Os sacerdotes que têm por dever (párocos e vigários) qualificar os candidatos para o matrimonio (Processo Matrimonial), devem rigorosamente verificar a sua maturidade e as suas motivações. Não devem permitir a celebração dos matrimônios inválidos, por qualquer motivo que seja. Mesmo que sejam chantageados ou ameaçados. A mais comum chantagem é: “se o senhor não fizer o nosso casamento, nós vamos viver em pecado e a culpa vais ser sua”. Deve-se compreender, que o padre, quando realiza a qualificação para o matrimônio está preocupado exclusivamente com bem do casal e com durabilidade da sua união. Por isso, as vezes pode pedir o adiamento da celebração do matrimônio, ou até aconselhar a desistir desta ideia. Neste caso, não deve ser acusado “que não quer”, mas deve ser compreendido pois “não pode”. Esta é uma grande responsabilidade diante de Deus, da Igreja e da sociedade, devido as graves consequências da união possivelmente inválida.

Na verdade, até mesmo uma preparação boa para o matrimônio não garante seu sucesso e não fará com que os casais se tronarão ideais, isentos de crises. As crises fazem parte da vida e não precisam ser sinais de “incompatibilidade de temperamentos” (pois é na diferença que acontece o complemento e crescimento) como argumento para a separação. Superadas as crises, através de diálogo, oração, orientação das pessoas capacitadas, os casais se motivam para maior esforço de controlar a si mesmos e contribuir para a maturidade dos relacionamentos e crescimento do amor recíproco. Faz bem lembrar que a vida não é uma brincadeira e o amor não é chocolate...



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