segunda-feira, 17 de abril de 2017

Páscoa da Ressurreição – Libertação e Vida

O dom e o preço da liberdade

O ser humano tornou-se escravo do pecado (causa de todos os males no mundo) pela sua própria, livre escolha. Escolheu dar ouvido ao Sedutor e saiu-se mal (Gen 3,1-24). O preço desta escolha, tão não acertada, continua sendo muito alto, pois a humanidade ficou marcada pela irresistível inclinação de viver fazendo a vontade própria. O efeito deste fato é a dor, sofrimento, destruições e mortes, começando pelo crime do bíblico Caim (Gen 4,8).
Logo depois da desobediência dos homens, Deus anuncia o plano da libertação (Gen 31,15), não deixando a humanidade na escravidão, sem a esperança. Passou-se muito tempo, muitas gerações viviam sob o domino do “senhor deste mundo” (Jo 12,31; 14,30).

A vocação de Abraão dá o início a penúltima fase deste plano. Ele é o primeiro ser humano, depois do Adão, que escuta e obedece a Deus. Assim, ele torna-se a figura de Jesus Cristo, Deus feito Homem, que através da perfeita obediência, até a morte e ressurreição, liberta a humanidade do Poder da Trevas. “Jesus Cristo... esvaziou-se a si mesmo, assumindo plenamente a forma de servo e tornando-se semelhante aos seres humanos. Assim, na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, entregando-se à obediência até a morte, e morte de cruz” (Flp 2,7-8). 

O processo de libertação é muito lento, mas não pelo desinteresse da parte de Deus. Deus ama infinitamente os seres humanos e não é seu desejo de serem escravos, mas livres. Contudo, respeitando a liberdade humana e a sua condição, de uma criatura frágil e limitada, Deus acompanha pacientemente o progresso da humanidade e evolução da sua mentalidade, na direção cada vez mais humana. E assim, vai indo até chegar a plenitude dos tempos (Mc 1,15; Gal 4,4).

A libertação dos descendentes de Abraão da escravidão do Egito, conforme o Livro de Êxodo, é um acontecimento simbólico e prenúncio da futura libertação, do mal muito maior, que é o pecado, com as suas consequências. O sangue do cordeiro imolado na primeira Páscoa (Ex 12), é a figura do Sangue do Cordeiro Imaculado, que tira o pecado do mundo (Jo 1,29; Mt 26,28; 1Cor 5,7). Deus oferece a libertação gratuitamente a todos, sem exceções. Basta querer. Contudo, é aqui que começam os degraus.

Quando Deus libertava os judeus da escravidão egípcia, nem todos se empolgaram com a ideia. Muitos, mesmo sonhando a liberdade, quando chegou a hora, preferiram não arriscar. Afinal, apesar das dificuldades da vida escrava, tem comida, tem onde morar, tem algum patrimônio e, ainda, alguma expectativa de crescer na hierarquia das estruturas escravas. E assim, o sonho da liberdade se foi...
Se alguém pensar que isto aí, é um desatualizado conto do passado, precisa então descobrir, que tal dificuldade acompanha os homens e mulheres de todas as épocas. Quem quiser ser livre tem de deixar as cadeias, com as quais já acostumou a conviver.

No tempo de Jesus, as autoridades judaicas foram convidadas a seguir o caminho da liberdade, mas enfrentaram o mesmo problema. "Jesus dizia aos judeus que nele creram: Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos livrará.  Replicaram-lhe: Somos descendentes de Abraão e jamais fomos escravos de alguém. Como dizes tu: Sereis livres? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo homem que se entrega ao pecado é seu escravo. Ora, o escravo não fica na casa para sempre, mas o filho sim, fica para sempre. Se, portanto, o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres" (Jo 8,31-36).

Da mesma forma aconteceu com o representante do Império Romano, governador da Palestina, o Pôncio Pilatos. Teve convicção da inocência de Jesus, mas fez a opção por não se envolver, não arriscar a carreira, não ir além do mundo que conhecia. “Pilatos disse a Jesus: ´Então tu és rei?´ Jesus respondeu: ´Você está dizendo que eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que está com a verdade, ouve a minha voz.´ Pilatos disse: ´O que é a verdade?´Ao dizer isso, Pilatos saiu ao encontro das autoridades dos judeus...” (Jo 18,37-38).

Lamentavelmente, é assim que o homem quer ser livre... As panelas cheias de carne, “os alhos e cebolas”, pão em fartura (Ex 16,3) falam mais forte do que os apelos da libertação. A história dum jovem rico, narrada pelo Evangelhos, também é quase idêntica. Quando ouviu que a liberdade tem o seu preço, e o preço muito alto, virou as costas e foi embora (Lc 19,16-30). É claro que seria bom ser livre se não custasse nada. Mas, tal “liberdade” não existe.

O homem moderno tem de se defrontar com o mesmo desafio de sempre. Deus dá a liberdade gratuitamente a todos, mas, para tornar-se realmente livre é necessário sair da escravidão, das “instalações” da vida que amarram (egoísmo, soberba, prepotência, vaidades, preguiça, apegos, etc).
Trocar a escravidão pela liberdade é uma decisão sem par. Sempre dará “prejuízo”, quanto a hierarquia dos valores vigente no nosso mundo. O homem que toma tal decisão acredita que existem valores maiores daqueles que podem ser vistos, pesados, medidos ou descritos. Acreditando no invisível é capaz de apostar no invisível, como um homem que encontrou um tesouro, mas invisível, escondido (Mt 13,44-46).

Sem dúvida para a geração hodierna o desprendimento é um verdadeiro muro. Para poucos, criados pelos pais responsáveis, a liberdade é uma atração, desejo e desafio. Eles realizam-se, humanamente e espiritualmente, nos exercícios que fortalecem a força da vontade, como: abnegação, sacríficos procedentes das incomodidades cotidianas, pontualidade, fidelidade, verdade. Não se satisfazem com qualquer coisa fácil, nem com a mediocridade. Sonham alto e procuram “voar” alto. Este tipo de gente faz a diferença no mundo. É capaz de construir um mundo novo, ou seja, uma civilização madura e responsável, uma civilização do amor, como canta nosso conhecido profeta moderno, Padre Zezinho.

A vida do homem livre não é fácil, por isso, não é atrativa ao mundo moderno. Fácil é ser escravo, pois o escravo não precisa de pensar e não tem possibilidade de fazer escolhas. Ele só pode fazer o que mandar seu senhor. Só obedece a quem o dominou, mesmo que tenha desejos contrários. A ninguém importam os seus pensamentos e sonhos. Ser escravo foi a sua escolha voluntária e, antes de se tornar livre novamente, não lhe resta nada mais que obedecer ao seu senhor.

O homem livre, ao invés, não pode viver à toa. Tem de fazer escolhas, tem de pensar o que é certo e o que não é, bem como prever as consequências de suas escolhas. Por isso, quem é livre precisa viver atentamente, o tempo todo, sempre. Sendo assim, não é surpreendido pelas tentações, ilusões ou perigos. E estes não faltam, como nos alerta a Sagrada Escritura: “Sede sóbrios e vigiai! Pois o diabo, que é o inimigo de vocês, os rodeia como um leão que ruge, procurando a quem devorar” (1Pd 5,8-9).

A Ressurreição de Jesus Cristo é universal. Jesus ressuscitando destruiu o Poder das Trevas e “desceu a mansão dos mortos” trazer todos a vida. O Seu desejo é salvar, libertar o mundo inteiro. Portanto, Cristo ressuscitou para salvar a mim, também. De que? Das minhas escravidões. Sobretudo das que não consigo enxergar, pois são mais perigosas. E elas existem, sim. Se eu insistir que não sou escravo de nada, então serei um mentiroso, enganando-se a se mesmo (1Jo 1,8). No entanto, se sou um escravo posso gritar como o cego Bartimeu de Jericó: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Mc 10,47). Posso, ainda, imitar os leprosos de um povoado samaritano, que clamavam: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (Lc 17,13). Deus vai me libertar prontamente, basta eu querer mesmo e estar disposto assumir as consequências da vida na liberdade, a minha “terra prometida”. “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal 5,1).

Mesmo que não seja fácil ser livre, é preciso saber que, não é possível ser feliz não sendo livre. 



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