sábado, 23 de novembro de 2019

Salmo 23. Televisão. Ilusão. Família. Corrupção.


A TELEVISSÃO É...


Tenho a satisfação de postar este texto, do meu Professor de sociologia (de santa +memória), encontrado recentemente e traduzido por mim, em vista da sua inquestionável atualidade.

A televisão é meu pastor, nada me falta!
Leva-me a deitar num sofá confortável.
Me conduz ao caminho da incredulidade;
Destrói minha alma.
Ela me conduz pelos caminhos do sexo e da violência, em vista dum proveito e da promoção.
Mesmo que eu andasse no vale escuro da responsabilidade cristã, não terei medo do mal, porque a televisão está comigo.
A sua influência e seu domínio me confortam!
Ela me prepara uma ceia comercial, segundo os padrões globais;
Ela unge a minha cabeça com humanismo e mercantilismo!
A minha mente está cheia disso.
Sim, a preguiça e a ignorância me seguirão até os últimos dias da minha vida.
E ficarei em casa, assistindo TV por mais longos tempos...!

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Halloween. Paganismo. Bruxismo.


Halloween

A sociedade moderna, impulsionada pelos pretenciosos “intelectuais”, que se dizem “racionalistas” e “científicos” (no sentido de se apoiarem nas pesquisas científicas), aparece cada vez mais irracional. Quanto mais o homem invoca a racionalidade, tanto mais pensa e age irracionalmente.

O comportamento e as escolhas dos indivíduos, bem como da coletividade, comprovam que não é a razão, mas o instinto (pode ser chamado de sentimento) condiciona o comportamento humano.

Impressionante. De um lado rejeita se a lei moral e o mundo transcendental (matéria de fé), por não poderem ser comprovados cientificamente, ou seja, não são explicáveis através da razão. Do outro lado, se adota um incalculável número de crenças e ideologias, que são meras teorias humanas, e a elas o homem dá crédito (sic!).

Hoje, os adeptos das antigas crenças pagãs, comemoram o Halloween, dia das bruxas, culto aos mortos, enfim o dia da feiura. Pode se ver gente famosa, chamada de “celebridades”, que se esforçam em criar fantasias, para serem mais chamativas. Mais ainda, considerando isso uma “brincadeira”, propagam-na evolvendo as crianças e todo tipo de gente ignorante (que não tem o conhecimento do assunto).

Não, isso aí não irracional, no seu modo de pensar. É uma tradição – dizem.
Pois, eu pergunto tradição de quem? Europeia? Não. Latino-americana? Não. Africana? Parece que também, não.

Ninguém tem nada contra as crenças antigas. Existam, se realmente há quem as cultiva initerruptamente.

Mas, o que nos preocupa (e aqui está mais uma prova de irracionalidade moderna), que os cristãos, possuidores, da Verdade, que conheceram através da Revelação Divina, abandonam-na, para praticar ritos das crenças pagãs!

Que “iluminação”! Que avanço racional!
Ou, talvez, estas práticas todas, sejam apenas sinais latentes do vazio interior do homem moderno. Ao desvincular-se da Verdade, perde a Luz e se comporta como uma “barata tonta”.

O objetivo da minha postagem é, apelar a razão. O ser humano dotado de inteligência, não pode viver sem pensar, ou tentar pensar, depois de cair no Vazio e nas Trevas.

Pense, meu irmão! Em tudo que faz, tente ver o objetivo e as consequências. Claro que pode não acertar, mas vai saber para onde retornar.
E mais uma, proteja as pessoas (em particular os “pequeninos”), sempre quando puder, para não praticarem a “macaquice”, imitando os outros, em vez de analisar, questionar e agir racionalmente.

Viva a Santidade, como caminho da sabedoria e plena realização!
Fora o Halloween e todas as ideologias!

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

O Santo Sacrifício. Missa. Parusia. Novíssimos. Fulton Sheen


O ÚLTIMO EVANGELHO (A última Parte do livro: "O Calvário e a Missa" de Fulton J.Sheen)


“Pai, nas vossas mãos entrego o meu espírito”. (Lc 23,16)
O último Evangelho da Missa é um formoso paradoxo que nos faz regressar ao princípio, pois abre com as palavras “no princípio”...
Também na vida humana o fim é o princípio de outra vida. A última palavra de Nosso Senhor foi realmente, o Seu último evangelho: “Pai nas vossas mãos entrego o meu espírito”.
Tal como no evangelho da Missa, também Ele regressa ao Pai de onde veio. Jesus completara a Sua obra. A Sua missa começara com a palavra Pai, e foi com essa mesma palavra que Ele terminou.
“Todas as coisas perfeitas, diziam os Gregos, movem-se em sentido circular”. Tal como os grandes planetas, que só após um longo espaço de tempo completam as suas órbitas e regressam novamente ao seu ponto de partida, como que para saudarem Aquele que os colocou no seu caminho, também o Verbo Encarnado, que veio ao mundo para dizer a Sua Missa, ao completar a Sua Missa na Terra regressou para junto de Seu Pai Celestial que O enviara para a jornada da Redenção do mundo.

O Filho Pródigo está prestes a regressar à casa de Seu Pai, pois Jesus é também o Filho Pródigo que durante tinta e três anos deixou a casa de Seu Pai e a bem-aventurança do Céu e veio ao país estrangeiro que é a Terra-pois é estrangeiro todo o país distante da casa paterna. Ele despendeu a substância da Sua Verdade na infabilidade da Sua Igreja, e a substância do Seu Poder na autoridade que deu aos Seus Apóstolos e aos Seus sucessores.
Ele despendeu a substância da Sua Vida na Redenção e no Sacramento. Quando esgotou tudo até a última gota, Ele volveu o olhar para a casa de Seu Pai e, num grito ressonante, lançou o Seu Espírito para os braços de Seu Pai, não como alguém que mergulha na escuridão, mas sim como quem sabe que caminha para onde será bem vindo.

Naquela última palavra e naquele último evangelho que O fez regressar ao Princípio de todos os princípios, e principalmente a Seu Pai, revelam-se a história e o ritmo da vida. O fim de todas as coisas regressa, de qualquer maneira, ao seu princípio.

Tal como a Filho regressa à casa de Seu Pai, e como o corpo regressa ao pó de onde nasceu, também a alma do homem, que veio de Deus, deve algum dia voltar para junto de Deus. A morte não é o fim de todas as coisas. 
A lousa fria que cai sobre a sepultura não marca o fim da história de um homem. A maneira como ele viveu a sua vida determina as condições da sua vida futura. Se ele procura Deus durante a existência, a morte será como que a abertura de uma gaiola. Ele poderá então, servindo-se das suas asas, voar para os braços do Bem-Amado.
Se ele, durante a vida, se afastou de Deus, a morte ser-lhe-á como que o início de um eterno afastamento da verdadeira Vida, da Verdade e do Amor – será o inferno.

Junto ao trono de Deus, de onde viemos para o nosso noviciado da Terra. Deveremos regressar algum dia para prestar contas do uso que fizemos da nossa existência. Não haverá um único ser humano que, ao chegar à última folha do livro da sua existência, não encontre ali traçado o seu destino, segundo aceitou ou rejeitou a divina dádiva da Redenção.

Aceitando-a, ou rejeitando-a, o homem terá assinado, por sua própria mão, a sentença do seu eterno destino. Tal como na caixa registradora ficam apontadas as importâncias para serem conferidas no final do nosso dia de negócio, também os nossos pensamentos e obras são registrados para o Julgamento Final.
Se, porém, vivemos sempre à sombra da Cruz, a morte não será o fim, mas sim o princípio da vida eterna. Em vez de uma separação, aguardar-nos-á uma reunião; em vez de uma partida, será uma chegada; em vez de encontrarmos um fim, esperar-nos-á um último evangelho – um regresso ao princípio.
Tal como a voz do destino murmura, “Deves abandonar a Terra”, a voz do Pai diz: “Meu Filho, vem para Mim”!

Fomos enviados a este mundo como filhos de Deus, para assistirmos ao Santo Sacrifício da Missa. Compete-nos permanecer aos pés da Cruz e, como àqueles que ali permaneceram desde o primeiro dia, ser-nos-á pedida a declaração da nossa lealdade.
Deus deu-nos o grão e a cepa da vida e, à semelhança do homem que, segundo o Evangelho, recebeu talentos, também nós devemos apresentar a retribuição das graças divinas que tivermos recebido.

A vida que Deus nos concedeu representa o grão e as cepas, e é nosso dever consagrá-los, restituí-los a Deus, sob as formas de pão e de vinho, transubstanciados. As nossas mãos devem apresentar o fruto das colheitas, quando chegar o fim da nossa peregrinação na terra.
É essa a razão pela qual o Calvário se ergue no meio de todos nós, e nos encontramos sobre a sua montanha sagrada. Não nascemos para ser simples espectadores, ou para lançarmos os dados, como fizeram os algozes de outrora, mas sim para sermos participantes do mistério da Cruz.
A maneira de reproduzir o quadro do Último Julgamento, durante a Santa Missa, será a evocação da forma como o Pai recebeu e saudou o Seu Filho, olhando para as Suas mãos. Nelas se evidenciavam os vestígios do trabalho, as calosidades da Redenção e as cicatrizes da Salvação.

Também nós, terminada a nossa peregrinação na Terra e no regresso ao princípio, veremos que Deus olha as nossas mãos
Se durante a nossa vida tivermos tocado as mãos do Seu Divino Filho, as nossas mãos apresentarão as marcas dos pregos; se tivermos percorrido a senda que conduz à eterna glória, através das veredas tortuosas e difíceis do Calvário, também os nossos pés apresentarão os mesmos ferimentos; se os nossos corações bateram em uníssono com o de Jesus, também eles ostentarão a chaga do lado, aberta pela lança que trespassou o Coração do Salvador.
Abençoados são, pois todos aqueles que levam nas suas mãos, marcadas pelos cravos da Cruz, o pão e o vinho das suas vidas consagradas, marcadas pelo signo e pelo selo do Amor redentor.

Ai, porém, daqueles que se afastaram do Calvário e que apresentarão as mãos brancas e sem cicatrizes!
Quando a vida se acaba, e a Terra se desvanece como um sonho, quando a luz da eternidade entra a jorros nas almas, com todo o seu esplendor, os justos podem com uma fé humilde, mas triunfante, repetir, como num eco, a última palavra de Cristo: “Pai, nas Vossas mãos entrego o meu espírito”!
E, assim, termina a Missa de Cristo. 
O Confiteor foi a Sua oração ao Pai, para que nos perdoasse aos nossos pecados; o Ofertório foi a apresentação das pequenas hóstias, sobre a patena da Cruz; o Sanctus foi a encomendação das nossas almas a Maria, a Rainha de todos os Santos; a Consagração representou a separação do corpo do Salvador e a aparente separação de divindade e humanidade; a Comunhão foi a Sua sede pelas nossas almas; o Ite Missa est foi o remate da obra da salvação; o último evangelho foi o regresso de Jesus a Seu Pai.

E, agora que a Missa está dita, que Jesus encomendou o Seu espírito ao Pai Celestial, Ele prepara-Se para restituir o Seu corpo a Sua Mãe Santíssima, aos pés da Cruz.
Também esta última fase será um regresso ao princípio da Sua vida terrestre – a Belém, ao tempo em que Se aconchegava no regaço de Sua Mãe, retomando novamente o Seu lugar.
A Terra tinha sido cruel para Ele; os Seus pés vaguearam pelos caminhos da ovelha tresmalhada, e nós trespassamo-los com os cravos de ferro; as Suas mãos ofereceram nos o pão da Vida Eterna, e nós pregamo-las nos braços da Cruz; os Seus lábios ensinaram-nos a Verdade, e nós oferecemos à Sua sede o fel e o vinagre. Ele veio para nos dar a Vida, e nós demo-Lhes a morte; mas esse foi o nosso erro fatal, pois não Lhe roubamos realmente a vida, e apenas tentamos fazê-lo. Ele deixou-Se vencer por Sua própria vontade.

Nenhum dos Evangelhos diz, de fato, que, Ele morreu, mas sim, “Ele rendeu o espírito”.  Foi, pois, um ato voluntário, uma renúncia espontânea da própria vida.
Não foi a morte que se aproximou d’Ele. Foi Ele quem Se aproximou da morte. E foi por essa razão que o Salvador, à aproximação do fim, ordenou que os portais da morte se Lhe abrissem, na presença de Seu Pai.
O cálice vai-se gradualmente enchendo com o vinho rubro e precioso da salvação. As rochas da terra abrem as suas bocas sequiosas, para bebê-lo, como se ela própria estivesse mais necessitada da torrente da salvação do que os ressequidos corações dos homens.
A Terra estremeceu de horror porque os homens tinham erigido sobre seu seio a Cruz de Deus. Madalena, arrependida, lá estava, abraçada aos pés da Cruz; João, o sacerdote, cujo rosto é a imagem fiel do próprio amor, escuta as pulsações do coração, cujos segredos aprendera a amar.
Maria, absorta, pensa quanto o Calvário é diferente de Belém.

Trinta e três anos antes, Maria baixava o seu doce olhar para a sagrada face de Jesus Menino. Em Belém o Céu contemplava a face da Terra; agora, os papéis invertiam-se. É a Terra que ergue os olhos para a face do Céu – um Céu marcado pelas cicatrizes da Terra.
Ele amava Maria, acima de todas as criaturas da Terra, porque Ela era a Sua Mãe e a Mãe de todos nós. Ele viu-A, logo que chegou a Terra, e viu-A ainda no momento derradeiro, antes de A deixar. Os Seus olhos encontraram-se, resplandecentes de vida, trocando, entre si, uma linguagem que só Eles entendiam.
No meio de um rapto de amor, uma cabeça inclinou-se, um coração parou, outro coração despedaçou-se. Jesus entrega o Seu espírito puro, sem mácula, nas mãos de Deus, por entre o ressoar das trombetas da vitória eterna. E Maria, a Mãe que acaba de perder o Seu Filho, permanece aos pés da Cruz. Jesus está morto. Maria ergue o Seu olhar para os olhos de Jesus, vivos e claros ainda no Seu rosto imobilizado pela morte.

Sumo Sacerdote do Céu e da Terra, a Vossa Missa está terminada! Deixa o altar da Cruz e encaminha-Vos para a Vossa sacristia. Como Sumo Sacerdote, Vós vieste da sacristia do Céu, paramentado com as vestes da humanidade, e o Vosso corpo e o Vosso sangue eram o pão e o vinho.
Agora, o Sacrifício está consumado. Fez-se ouvir o toque da campainha da Consagração, e resta apenas o cálice esgotado e enxuto. Entra na Vossa sacristia, despe as vestes da mortalidade, e enverga a túnica branca da imortalidade.
Mostra as Vossas mãos, os Vossos pés e o Vosso lado a Vosso Pai Celestial e diz: "Assim fui ferido na casa daqueles que Me amaram".
Entra, Sumo Sacerdote, na Vossa sacristia celestial e, quando os Vossos representantes na Terra erguerem a hóstia e o cálice, mostrai-Vos ainda a Vosso Divino Pai, e intercede amorosamente por nós, até a consumação dos séculos.
A Terra foi cruel para conVosco, mas Vós serás extremamente misericordioso para com ela. A Terra Ergueu-Vos na Cruz, mas agora Vós elevarás a terra por meio por meio da Cruz. Abre as portas da celestial sacristia, ó Sumo Sacerdote! Vê que estamos agora à Vossa porta e não cessamos de bater!

E o que Vos diremos nós a Vós, Maria? A Vos que és a sacristia do Sumo Sacerdote, como já o foste em Belém, quando Ele veio até junto de Vós, para trazer ao mundo o grão e a cepa? E foste-o também na Cruz, onde Jesus Se transformou no Pão da Vida e no Vinho, por meio da Crucificação.

Vós és também o Seu sacristão, agora que Ele vem do altar da Cruz, trazendo apenas o Cálice enxuto do Seu sagrado corpo. Quando esse cálice repousa no Vosso regaço é como se voltasses aos tempos de Belém, porque Ele é Vosso, mais uma vez, O cálice só é, porém, o mesmo, na aparência, pois o de Belém sofrera apenas a prova do fogo que o moldara, ao passo que o da Paixão passara pelo duplo fogo do Gólgota e do Calvário.
Em Belém, Ele era branco, tal como viera das mãos de Deus, Seu Pai: agora é da cor de sangue, tal como vem até nós.
Vós sois, porém, ainda a Mãe Imaculada daqueles que ajoelham junto ao altar; fazei com que nos apresentemos ali na maior pureza e assim nos conservemos, até ao dia em que entremos na Sacristia Celestial do Reino dos Céus, onde Vós sereis a nossa eterna sacristia e Jesus o nosso eterno Sacerdote.

E vós, amigos do Crucificado, o vosso Sumo Sacerdote abandonou a Cruz, mas deixou nos o altar.
Na Cruz, Ele estava só, mas na Missa está conosco.
Na Cruz, Ele sofreu no Seu corpo físico. No altar, Ele sofre no Seu Corpo Místico, que somos nós.
Na Cruz, Ele era a única Hóstia; na Missa, nós representamos pequenas hóstias, e Ele a Hóstia imensa, recebendo o Seu Calvário por nosso intermédio.
Na Cruz, Ele era o Vinho; na Missa nós somos a gota de água, unida com o vinho e consagrada com Ele.
Sob esse aspecto, Ele está ainda na Cruz, rezando a Confissão conosco, perdoando-nos ainda, encomendando-nos ainda a Maria, sequioso ainda por nós, encaminhando-nos ainda para junto de Seu Pai, pois, enquanto o pecado existir na terra, a Cruz permanecerá!
"De dia ou de noite, Onde quer que o silêncio me rodeie, Sou surpreendido por um grito Que vem do alto da Cruz.
A vez primeira que o ouvi, Parti à procura...
E encontrei um homem nas agonias da crucificação.
E disse-Lhe: "Vou despregar-Vos da Cruz!"
E tentei arrancar os cravos dos Seus pés, Mas Ele disse: "Deixa-os estar, porque eu não posso ser retirado, Enquanto cada homem, cada mulher e cada criança Não vierem, juntos, retirar-me daqui".
E eu volvi: "mas eu não posso ouvir Vosso grito. O que devo fazer?"
E Ele replicou: "Vai, mundo fora, e diz, a todo aquele que encontrares Que está um Homem pregado na Cruz!"

PS. Todas as intervenções (destaque de cor, negrito ou sublinhado) são da minha inciativa (FN).

Santa Missa. Calvário. Salvação. ITE MISSA EST. Fulton Sheen


ITE, MISSA EST (A 6a Parte do livro: "O Calvário e a Missa" de Fulton J.Sheen)


“Tudo está consumado” (Jo 19,30)
Deus Nosso Senhor chega agora ao Ite, missa est da Sua Missa, no momento em que solta o grito de triunfo: “Tudo está consumado!”. A obra de salvação está concluída; mas quando ela foi iniciada?
Essa obra começou, de fato, no tempo infinito da eternidade, quando Deus quis fazer Se homem. Antes do princípio do próprio mundo, já a Divina Impaciência existia, para restituir o homem aos braços de Deus.
O Verbo existia no céu, impaciente por ser o “Cordeiro sacrificado, desde o princípio do mundo”. Ele manifestou a Sua impaciência sob a aparência de símbolos e imagens proféticas, como se a Sua face moribunda se refletisse em milhares de espelhos, ao longo de toda a história do Velho Testamento. Ele estava impaciente por ser o verdadeiro Isaac, que transportava por suas próprias mãos a lenha para o sacrifício, em obediência ás ordens de Seu Pai celestial Abraão.
Ele estava impaciente por realizar o místico símbolo do Cordeiro da Páscoa Judaica, que foi imolado, sem que um único osso do Seu Corpo fosse quebrado. Ele estava impaciente por ser o novo Abel, morto pelos seus invejosos irmãos da raça de Caim, para que o Seu sangue pudesse erguer aos céus o grito do perdão.
Ele estava impaciente no seio de Sua Mãe, quando saudou João, o Seu precursor.
Ele estava impaciente na Circuncisão, quando antecipou o derramamento do Seu Sangue e recebeu o nome de Salvador.
Ele estava impaciente, quando, na idade de doze anos, recordou a Sua Mãe que devia ocupar-se das coisas de Seu Pai. Ele estava impaciente na Sua vida pública, quando dizia que tinha ainda um batismo a receber, e estava ansioso por que ele se cumprisse.
Ele estava impaciente no Jardim das Oliveiras, voltando às costas às doze legiões de anjos consoladores.
Ele estava impaciente na Última Ceia, quando antecipou a separação do Seu Corpo e do Seu Sangue, sob as aparências de pão e de vinho.
Finalmente, a impaciência atingiu o seu termo, quando a hora da escuridão se aproximou, no final da Última Ceia. Ele, então, cantou, pela primeira e única vez, precisamente no momento em que caminhava para a morte.
Não teria importância para o mundo o fato de que as estrelas brilhassem com mais intensidade, ou que as montanhas se erguessem, como símbolos de perplexidade, ou que as colinas prestassem o seu tributo aos vales que lhes deram o ser. O que importava apenas era que cada uma das simples palavras que Ele dissera se cumprira exatamente. O céu e a terra não passariam antes que as Suas palavras fossem cumpridas.
Restava apenas o cumprimento de uma palavra de David sobre a realização de cada profecia. Agora, porém, que tudo o mais se cumprira. Ele, o verdadeiro David, pronunciava, por último, as palavras do profeta: “Tudo está consumado”.
O que é que estava consumado? Era a redenção do homem, porque o Amor completara a sua missão, o Amor fizera tudo o que pudera.
Há duas coisas que o amor pode fazer. Por sua própria natureza, o Amor pende para a Encarnação, e toda Encarnação pende para a Crucifixão. Pois não é verdade que, na ordem do amor humano, do afeto do marido pela esposa, e da encarnação, da confluência do amor mútuo, nascem novos seres, que são os filhos?
E quem poderá jamais esquecer os filhos das suas entranhas, cujo amor vai até ao ponto de fazer por eles os maiores sacrifícios, inclusivamente o da própria vida?
E é assim, porque todo o amor, quando verdadeiro, pende para a crucificação. Isto é, porém, uma pálida comparação com a ordem divina, segundo a qual o amor de Deus pela Sua criatura é tão profundo e intenso que terminou numa Encarnação.
O Amor divino, todavia, não se limitou a revestir a forma humana, pois Nosso Senhor veio ao mundo para remi-lo. A morte era, pois, o alvo supremo, que Ele procurava.
A morte, que interrompe e corta as carreiras dos grandes homens, não interrompe, porém, a Sua, pois Ele foi coroado de glória, e este era o único objetivo que Ele procurava. Assim, a Sua Encarnação pendia para a Crucificação, para o maior amor que jamais alguém sentiu, e que sacrificou a própria vida por aqueles a quem amava.
Consumada a obra da Redenção, o Divino Amor podia dizer: “Dei tudo quanto podia dar, em benefício da minha vinha”. O amor não pode, realmente, dar mais do que a vida por aqueles a quem ama: “Ite, Missa est”. – “Ide, a Missa está dita”.
A Sua obra estava, pois, consumada. E a nossa?
Quando o Salvador disse “Tudo está consumado”, Ele não quis dizer que as oportunidades da sua Vida se tinham esgotado, mas sim que a Sua obra estava tão perfeitamente terminada que nada havia a acrescentar-lhe, por muito perfeito que fosse.
Quanto a nós, no entanto, quão longe isto está da verdade! Quantos de nós acabam as suas vidas, sem as terem realmente cumprido! Uma vida de pecado pode chegar ao seu fim, mas nunca poderá dizer-se que foi uma existência concluída, perfeita.
Se a nossa vida se limitou a “acabar”, os nossos amigos perguntarão: “quanto tempo viveu?”  Se, porém, a nossa vida foi uma existência que atingiu a sua finalidade, que cumpriu, enfim, a pergunta será esta: “quantos merecimentos de boas obras leva ele consigo?”
Uma vida realmente preenchida não se conta pelo número de anos, mas sim pelas suas obras. Não conta o tempo que se gastou na vinha, mas sim o trabalho que ali ficou feito.
Num curto espaço de tempo pode realizar-se tarefa equivalente a muitos anos, pois os próprios que chegam à décima primeira hora podem viver uma vida completa. Os outros, e até aqueles que vieram até Deus, como o bom ladrão, apenas na hora do seu último suspiro, podem acabar a sua existência no Reinado de Deus. A nenhum deles se aplica a triste exclamação de pesar: “Demasiado tarde Te amei, ó Beleza Eterna”!
Nosso Senhor consumou a Sua obra, mas nós não consumamos a nossa. Ele aponta nos o caminho que devemos seguir. No final, Ele depôs a Sua Cruz, e nós devemos tomá-la sobre os nossos ombros. Ele consumou a Redenção no Seu Corpo físico, mas cabe-nos a nós consumá-la no Seu Corpo Místico. Ele consumou a Salvação, mas nós ainda a não aplicamos ás nossas amas.
Ele terminou a construção do Templo, mas nós devemos habitá-lo. Ele realizou o modelo ao qual devemos adaptar as nossas cruzes. Ele lançou a semente, mas cabe nos a nós ceifar a seara. Ele encheu o cálice, mas nós ainda não esgotamos o seu conteúdo que refrigera. Ele semeou o campo de trigo, mas nós devemos recolher o grão no nosso celeiro.
Ele consumou o Sacrifício do Calvário; cabe-nos, porém, consumá-lo também, na Santa Missa.
A crucificação, não representa um drama inspirador, mas sim um ato, um modelo ao qual devemos adaptar as nossas vidas. Não devemos limitar-nos a permanecer na contemplação da cruz, considerando-a como uma obra consumada e terminada, como a vida de Sócrates. Não! O que se passou no Calvário aproveita-nos apenas na medida em que o repetirmos nas nossas próprias vidas.
A Missa permite essa relação, pois, por intermédio da renovação do Calvário nos nossos altares, não seremos apenas espectadores, mas sim participantes da Redenção, e é aí que reside a consumação, o cumprimento da nossa tarefa.
Jesus disse-nos: “E se Eu me elevar acima da terra, arrastarei comigo todas as coisas”.
Jesus consumou a Sua obra quando foi erguido sobre uma cruz; nós consumaremos a nossa quando Lhe permitirmos que nos atraia, nos arrebate para Si, no Sacrifício da Missa.
A Missa é o ato que torna a Cruz visível aos nossos olhos; é ela que se patenteia, que se ergue em todas as encruzilhadas da civilização, e nos aproxima tanto do Calvário que até os pés fatigados podem fazer a jornada que conduz ao seu doce abraço.
Todas as mãos podem, assim, tocar o Sagrado Fardo, e todos os ouvidos podem ouvir o suave apelo, pois a Missa e a Cruz são uma e a mesma coisa. Em ambos existe a renúncia perfeita da vontade ao Filho bem-amado, o mesmo corpo dilacerado, o mesmo derramamento do precioso sangue, o mesmo perdão divino.
Tudo quanto foi dito e feito durante a Santa Missa, deve acompanhar-nos, para vivermos o sagrado ato, para a praticarmos e o aplicarmos em todas as circunstâncias da nossa vida diária.
O Sacrifício de Jesus transforma-se no nosso próprio sacrifício, por meio da oblação de nós próprios, em união com Ele; a Sua vida, oferecida por nós, transforma-se na própria vida que Lhe oferecemos.
Que, ao voltar da Santa Missa, tenhamos feito a nossa escolha, voltando costas ao mundo, para fazermos parte da geração daqueles que vivem à semelhança de Cristo, e são assim testemunhas vivas do Amor d’Aquele que morreu por nós, para que pudéssemos viver com amor.
O mundo dos nossos dias está repleto de catedrais incompletas, de vidas incompletas, de almas meio crucificadas. Algumas levam a cruz até ao Calvário e, depois, abandonam-na; outros, deixaram-se pregar, mas despregaram-se, antes que a sua cruz, fosse erguida ao alto; outros estão crucificados: mas, se o mundo os desafia, dizendo “Desce da cruz”, eles descem, decorrida uma hora... Duas horas... Ou duas horas e cinqüenta e cinco minutos...
Verdadeiros cristãos são aqueles que perseveram até ao fim. Nosso Senhor também ficou, até que a Sua obra estivesse consumada.
Da mesma maneira, o sacerdote não abandona o altar, sem que a Missa esteja terminada. Também nós devemos permanecer na cruz, até que as nossas vidas se tenham cumprido. Cristo crucificado é o perdão, o modelo de uma vida preenchida.
A nossa natureza humana é o material bruto, a nossa vontade é o cinzel; a graça de Deus é a energia e a inspiração. Sob a ação do cinzel, desbastam-se os blocos grosseiros da nossa natureza imperfeita.
Os primeiros pedaços que caem representam o nosso egoísmo. Depois, por meio de uma cinzelagem mais delicada, mais leve, desbastamos excrescências que representam o orgulhoso exagero da personalidade, o egocentrismo.
Finalmente, com uma escovadela da própria mão, faremos surgir à luz do dia a obra prima completa – o ser perfeito, à imagem e semelhança do modelo patenteado na Cruz. Nós estamos no altar sob as aparências de pão e de vinho; nós oferecemo-nos a Nosso Senhor, e Ele consagrou-nos.
Não devemos, portanto, bater em retirada, mas sim permanecer até o final, orando sem cessar, para que um dia, ao olharmos para o passado, possamos dizer que vivemos na intimidade d'Aquele que morreu por nós, na Cruz, e tal como Ele, possamos pronunciar a Sexta Palavra: “Tudo está consumado”.
Assim, as suaves palavras do “Ite, Missa est” ressoarão ao longo dos corredores do Tempo, transpondo os umbrais da Eternidade. E os coros dos anjos e o exército branco da Igreja Triunfante responderão: “Deo Gratias”.

PS. Todas as intervenções (destaque de cor, negrito ou sublinhado) são da minha inciativa (FN).



O Calvário e a Missa. A COMUNHÃO. Sede de Deus. “Tenho sede”. Fulton Sheen


A COMUNHÃO (5a Parte do livro: "O Calvário e a Missa" de Fulton J.Sheen)

"Tenho Sede". (Jo 19, 28)
O Nosso bem-amado Salvador, chega à comunhão da Sua Missa quando, no íntimo do Sagrado Coração, parte este grito: "Tenho sede".
Não se trata, certamente, de sede de água, pois a Terra, e tudo quanto ela encerra, Lhe pertenciam, e Ele acalmou as ondas quando as águas enfurecidas pareciam querer ultrapassar os seus limites.
Quando Lhe ofereceram de beber, Ele não aceitou. Era outra, era diferente a sede que atormentava Jesus - era a sede das almas e dos corações humanos. Esse grito foi um apelo à comunhão - o último da longa série de apelos que o Pastor que é Jesus, dirigiu aos homens.
O próprio fato de ter sido traduzido pelo mais pungente de todos os sofrimentos humanos, que é a sede, dá a medida da sua profundidade e da sua força. A humanidade pode sentir-se faminta de Deus, mas Deus sente-Se sequioso da humanidade.
Ele sentiu essa sede na Criação, quando a fez participante da divindade no jardim do paraíso, e ainda na Revelação, quando tentou chamar a Si o coração afastado do homem, contando-lhe os segredos do Seu amor.
Essa sede renovou-se na Encarnação, quando Jesus Se tornou semelhante àquele que amava, revestindo a forma e as aparências humanas. Na Cruz, o Salvador manifestou a mesma sede na Redenção pelo maior amor que jamais existiu, pois que ofereceu a própria vida por aqueles a quem amava. Esse foi o apelo final para a comunhão, antes de se correr a cortina sobre o Grande Drama da vida de Jesus sobre a terra.
Todo o amor dos pais pelos filhos e dos esposos pela esposa, reunidos num amor imenso, representariam apenas uma insignificante parcela, a mais ínfima fração do amor de Deus pelo homem, revelado naquele grito de sede. Ele significou, simultaneamente, não apenas a sede que sentiu por todos os humildes, pelos corações famintos, pelas almas vazias, mas a infinita intensidade do Seu desejo em satisfazer os nossos anseios.
A nossa sede de Deus não encerra algo de misterioso, porque a boca sequiosa suspira pela fonte, a
planta volta-se para o sol e os rios correm na direção do mar. Dada, porém, a nossa insignificância e a mesquinhez do nosso amor para com Deus, o amor que Ele nos dedica é, realmente, um mistério. Esse é o significado da sede divina pela Comunhão conosco.
O Salvador já expressara isso mesmo, na parábola da ovelha tresmalhada, ao dizer que O não satisfazia a presença das noventa e nove ovelhas que O seguiam, pois só a recuperação de uma ovelha perdida poderia dar-Lhe alegria completa.
Esta verdade foi novamente expressa na Cruz. Nada podia satisfazer devidamente a Sua sede, senão o coração de cada homem, mulher ou criança, que, uma vez nascidos para Ele, só n'Ele poderiam encontrar a paz e a felicidade.
Esta prece pela comunhão baseia-se no amor, pois este, pela sua própria natureza, é propenso à união. É o amor de cada um de nós pelo próximo que se firma a unidade de um estado. É do amor do homem e da mulher que resulta a união de dois seres numa só carne.
O amor de Deus pelo homem apela, portanto, para a unidade baseada na Encarnação - unidade de todos os homens no Corpo e no Sangue de Cristo. Foi para selar esse amor por nós que Ele Se deu na Sagrada Comunhão, para que, assim como Ele e a Sua natureza humana, nascendo das entranhas da Sua Mãe Santíssima, formaram um só na unidade na Sua Pessoa, também Ele e nós, nascidos das entranhas da humanidade, pudéssemos ser um só na unidade do Corpo Místico de Cristo.
E é por essa razão que empregamos a palavra "receber", quando falamos da Comunhão com Nosso Senhor na Eucaristia, pois, literalmente, "recebemos" a Vida Divina, exatamente como a criancinha recebe a vida através de sua mãe. Cada vida é sustentada pela comunhão com uma Vida mais elevada.
Se as plantas falassem, elas diriam ao orvalho e ao sol: "Só entrando em comunhão comigo, participareis das minhas leis e poderes, e revelareis a vida que em vós existe".

Se os animais pudessem falar, eles diriam às plantas: " Só participareis da minha vida, entrando em comunhão comigo".
Todos nós também, os seres humanos, dizemos aos seres inferiores da Criação: "A não ser que entreis em comunhão comigo, não participareis da minha vida humana".
Porque é, pois, que Nosso Senhor não havia de dizer-nos também: "A não ser que entreis em comunhão comigo, a Vida não entrará em Vós". O inferior é transformado em superior: as plantas em animais, os animais no homem, e este, por caminho mais elevado, é "divinizado", se corresponder àquele apelo, isto é, por intermédio da Vida de Cristo.
A comunhão é, pois, a primeira maneira de recebermos a Vida Divina, à qual não temos mais direito do que a pedra-mármore tem de vir algum dia a dar flor. É apenas uma pura dádiva do Todo-Poderoso que nos amou ao ponto de querer unir-Se a nós, não por meio dos laços da carne, mas sim pelos sagrados laços do Espírito, cujo amor não está sujeito à saciedade, pois é feito de êxtase e alegria.
Quão depressa nos teríamos esquecido de guardar nas nossas almas as dádivas e a imagem de Jesus de Belém e de Nazaré! Deus Nosso Senhor bem sabia que seria assim, mas sabia também quanto precisávamos d'Ele e daí a dádiva de Si próprio na comunhão, na qual existe um outro aspecto em que raras vezes pensamos.
A comunhão implica não somente a recepção da Vida Divina mas também a oferta, pois todo o amor é recíproco. Não há amor unilateral, pois, por sua natureza, o amor exige reciprocidade.
Deus tem sede de nós, mas isso quer dizer que o homem também tem sede de Deus. Quando vamos receber a Sagrada Comunhão, não devemos nunca esquecer que não vamos apenas "receber" Deus Nosso Senhor, mas sim retribuir também a Sua dádiva, oferecendo-nos a nós próprios na reciprocidade do amor.
Existe ainda um outro aspecto da Comunhão, além da recepção da Vida Divina. São João refere-se a esse aspecto e São Paulo dá-nos essa verdade completamente na sua Epístola aos Coríntios.
A Comunhão não é apenas uma incorporação na Vida de Cristo, mas também uma incorporação na Sua Morte.

"Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes deste cálice comemorais a morte do Senhor, até que Ele venha".
A vida natural tem duas faces: a anabólica e a catabólica. A vida sobrenatural tem, também, duas faces: a reconstrução, segundo o modelo que é Cristo, e a destruição do velho Adão.
A Comunhão implica, portanto, não apenas receber, mas também dar. Não pode haver ascensão a uma vida superior, se não se extinguir a vida inferior.
O Domingo de Páscoa pressupõe uma Sexta-Feira Santa. O amor implica uma dádiva mútua que termina na própria recuperação. Assim, a Mesa da Eucaristia é um lugar de troca, e não um lugar de exclusiva recepção.
Acaso poderíamos receber toda a Vida de Cristo, sem Lhe darmos nada em troca?
Acaso poderíamos esgotar o cálice, sem contribuir com algo para enchê-lo?
Devemos receber o pão, se oferecer o grão que deve ser moído; receber o vinho, sem dar as uvas que devem ser esmagadas?
Se durante a nossa vida fôssemos sempre à Comunhão para receber a Vida Divina, e A levássemos conosco, sem deixar nada em troca, seríamos parasitas do Corpo Místico de Cristo.
Devemos, pois, levar conosco, para a Mesa da Eucaristia, o espírito de sacrifício, a mortificação da inferioridade do nosso ser, as cruzes suportadas com paciência, a crucificação do nosso egoísmo, a morte da nossa concupiscência, e, inclusivamente, a nossa falta de merecimentos para receber a Comunhão.

Só nestas circunstâncias a Comunhão será o que realmente sempre deve ser, isto é, uma troca, um comércio entre Cristo e a alma, na qual Ele dá a sua Morte, em troca das nossas vidas, e a Sua Vida pelos Seus filhos adotivos.
Nós damos-Lhe o nosso tempo, Ele dá-nos a Sua Eternidade; nós damos-Lhe a nossa humanidade; Ele dá-nos a Sua Divindade; nós damos-Lhe a nossa insignificância, Ele dá-Nos a Sua plenitude, toda a Sua grandeza.
Compreenderemos, realmente, toda a grandeza do amor?
Não teremos dito já, em momentos de afetuosa expansão por uma criancinha, numa linguagem que pode variar, mas cujo sentido é o mesmo: " Amo-a tanto, como se ela fizesse parte do meu ser"?
E por quê? Precisamente porque todo o amor anseia pela unidade.
Pela ordem natural, Deus dispensou prazeres à união dos laços da carne, mas esses não podem comparar-se ao prazer da união espiritual, nos quais a divindade se sobrepõe à humanidade e esta se reveste de aspecto divino, pois toda a nossa aspiração vai para Deus, e Deus vem até nós, e cessamos de ser simples seres humanos para começarmos a ser filhos de Deus.
Se alguma vez na nossa vida tivestes um momento em que uma nobre afeição vos elevou... Se alguma vez amastes alguém de todo o vosso coração, é caso para perguntar o que sentiríeis unindo-vos completamente ao grande Coração do Amor.
Se o coração humano pode dar e sentir tão nobres e elevadas alegrias, o que poderá dar-nos o grande Coração de Cristo?
Oh! Se a simples centelha, já de si, é brilhante, como será a própria chama!
Teremos nós a plena consciência da íntima ligação que existe entre a Comunhão e o Sacrifício, por parte de Nosso Senhor e por parte das Suas humildes criaturas, que somos nós?
A Missa torna-nos inseparáveis, pois não há Comunhão sem uma Consagração. Não há recepção do pão e do vinho que oferecemos, a não ser que tenham sido transubstanciados no Corpo e no Sangue de Cristo.
A Comunhão é a conseqüência do Calvário.
Toda a natureza testemunha esta verdade; a nossa vida, alimenta-se sacrificando os animais dos campos e as plantas da terra. É da crucificação que nós recebemos a vida.
Matamo-los, não para destruir, mas sim para realizar.
E, agora, por um belo paradoxo do Divino Amor, Deus faz da Sua Cruz o meio da nossa salvação. Os homens mataram Jesus, crucificaram-nO na Cruz, mas o Amor do Seu coração eterno não foi extinto nem vencido. Ele quis dar-nos a própria vida que Lhe tiramos, o próprio alimento que destruímos, alimentar-nos com o pão e o vinho que sepultamos.
Ele transformou o nosso próprio crime numa culpa abençoada, transformando a Crucificação em Redenção, a Consagração em Comunhão, a morte na vida eterna.
O homem é, precisamente, o mais misterioso de todos os seres. Compreende-se que o homem seja amado, mas o que não se compreende é que não retribua o amor que recebe.
Qual a razão que há para se fazer de Deus Nosso Senhor, o Grande Desamado?
Que razão existe para não se amar o próprio Amor?
Por que Lhe damos fel e vinagre, quando Ele exclama: "Tenho Sede"...? 

PS. Todas as intervenções (destaque de cor, negrito ou sublinhado) são da minha inciativa (FN).

Santa Missa e Calvário. A CONSAGRAÇÃO. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” Fulton Sheen


A CONSAGRAÇÃO (4a Parte do livro: "O Calvário e a Missa" de Fulton J.Sheen)


“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,46)
Eis a quarta palavra da Consagração da Missa do Calvário. As três primeiras palavras foram dirigidas aos homens. A quarta, porém, foi dirigida a Deus. Estamos agora na última fase do drama da Paixão. Na quarta Palavra, e em todo o Universo, só existem apenas Deus e Jesus. Esta é a hora das trevas.
Subitamente, o silêncio dessa escuridão é quebrado por um grito – tão terrível e tão inesquecível que até aqueles que não compreenderam a língua em que foi expresso hão de recordar-se sempre do tom estranho em que foi proferido: “Eli, Eli, lamma Sabcthany”.
Sim, embora alguns não pudessem compreender essas palavras da língua hebraica, o tom em que foram ditas não mais lhes esqueceu em toda a sua vida.
As trevas que cobriam a terra naquele momento representam apenas o símbolo exterior da noite escura da alma. O sol pode esconder a sua face perante o terrível crime dos deicidas, mas a verdadeira razão da noite que se estendeu sobre a terra foi a sombra da Cruz que se erguia no Calvário.
Toda a criação ficou imersa nas trevas da dor.
Qual foi, todavia, a razão do grito que partiu da escuridão?
“Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonastes?”

Esse foi o grito de espanto para o pecado, em que o homem abandonou Deus, em que a criatura esquece o Criador, em que a flor despreza o sol que lhe deu força e beleza. O pecado é uma separação, um divórcio da união com Deus, e do qual derivam todos os divórcios. Desde que Jesus veio a terra para remir os homens dos seus pecados, é certo que Ele sabia que havia de sentir esse abandono, esse apartamento, esse divórcio.
Ele sentiu-o, antes de mais, no íntimo da Sua alma, tal como a base da montanha, se fosse consciente, sentiria o abandono do sol quando uma nuvem descesse sobre ela, embora os seus cumes se conservassem radiosos, banhados de luz.
Não havia sombra de pecado na alma de Jesus, embora Ele quisesse sentir os efeitos do pecado, e a terrível sensação de isolamento e solidão – a solidão do afastamento de Deus.
Renunciando à divina consolação que poderia pertencer-Lhe, Ele quis mergulhar na tremenda solidão da alma que se extraviou de Deus pelo pecado, para expiar a solidão do ateu que nega a existência de Deus e deposita a sua fé nas coisas terrenas, a dor do coração despedaçado de todos os pecadores que sentem a amargura da ausência do seu Criador.
Jesus foi até ao ponto de remir todos aqueles que não crêem e que, na tristeza e na miséria, exclamam, blasfemando: “Por que é que a morte levou tal pessoa?”, “Por que é que perdi aos meus bens?”, “Porque é que hei de sofrer”.
O “Por que” que Jesus dirigiu a Seu Pai é uma expiação que abrange os “porquês” soltados por aqueles que blasfemam.
Para melhor revelar a sensação de tal abandono, Jesus exteriorizou-o. Porque o homem se apartara de Deus, Ele permitiu que o Seu sangue se separasse do Seu Corpo.

O pecado entrara no sangue do homem e, como se os pecados do mundo recaíssem sobre Ele, Jesus deixou derramar o Seu precioso sangue, do cálice do Seu Corpo. Quase que podemos ouvi-Lo dizer: “Pai, este é o Meu Corpo, este é o Meu Sangue. Eles estão separados um do outro, tal como a humanidade se separou de Ti. Esta é a Consagração da Minha Cruz”.
O que aconteceu então no Calvário acontece agora na Missa. Com uma diferença: Na Cruz, o Salvador estava só e, na Missa, está conosco. Nosso Senhor, agora, está no céu, à mão direita de Seu Pai, intercedendo por nós. Já não pode, portanto, sofrer na Sua natureza humana.
Como pode, pois, a Missa ser a renovação do drama da Cruz? Como é que Cristo pode renovar o drama da Cruz?
Ele não pode, realmente, voltar a padecer na Sua natureza, porque está no céu, gozando a divina bem-aventurança, mas pode ainda sofrer nas nossas naturezas humanas.
Ele não pode, de fato, reviver o Calvário no Seu Corpo físico, mas pode renovar os Seus sofrimentos no Seu Corpo Místico que é a Igreja.
O sacrifício da Cruz pode ser renovado, contanto que nós Lhe façamos a oferta do nosso corpo e do nosso sangue, em toda a plenitude. Jesus pode também oferecer-Se novamente a Seu Pai Celestial, pela redenção do Seu Corpo Místico – a Igreja.

Cristo anda no mundo juntando as almas que desejam ser outras tantos Cristos. Para que nos nossos sacrifícios, as nossas tristezas, os nossos calvários, as nossas crucificações, não fiquem isoladas, desunidas, a Igreja reúne-os, junta-os, e o agrupamento, a massa de todos esses acrifícios humanos reúne-se ao grande sacrifício de Cristo na Cruz, durante a Missa. 
Quando assistimos ao Santo Sacrifício da Missa, não somos precisamente apenas criaturas terrenas, nem indivíduos solitários, mas sim parcelas vivas de uma grande ordem espiritual, na qual o Infinito penetra e envolve o finito, e o Eterno penetra no ser temporário e passageiro, e o Espiritual reveste a materialidade.

À face de Deus nada existe sobre a terra de mais solene e que mais respeito infunda do que o momento da Consagração, pois a Missa não é uma oração, nem um hino. – é um Ato Divino com o qual entramos em contato num dado momento do tempo.
A rádio pode oferecer-nos uma ilustração imperfeita, um esboço vago do que acabamos de exprimir. A Missa é um Ato único, divino, singular, com o qual entramos em contato todas as vezes que ela se celebra.
Quando a face da medalha ou da moeda são gravadas, ou cunhadas, qualquer desses objetos é a representação visível de uma idéia espiritual que existiu no espírito do artista. Do original podem fazer-se reproduções inúmeras, desde que em cada peça de metal se grave ou reproduza o original.

Na Missa dá-se um fato semelhante. O modelo ou padrão é o Sacrifício de Cristo no Calvário, renovado nas almas que entraram em contato com Ele, no momento da Consagração. A respeito, porém, da multiplicidade da Missa, o Sacrifício é apenas um, e sempre o mesmo. A Missa é a comunicação do Sacrifício do Calvário, sob as espécies de pão e de vinho.

Também nós estamos no altar sob essas aparências, pois ambas representam o alimento da vida. Oferecendo, pois, aquilo que nos dá vida, oferecemo-nos, simbolicamente a nós próprios. Além disso, para se transformar em pão, o grão tem de ser moído, e as uvas têm de ser esmagadas, para se transformarem em vinho e, assim, representam os Cristãos, que são chamados a sofrer com Cristo, para que um dia possam também alcançar o Reino dos céus.

O momento da consagração da Missa que nos aproxima de Nosso Senhor equivale às palavras que
Jesus pronunciou: “Tu Maria, vós, João, Pedro e André, dai-Me o vosso corpo, dai-Me o vosso sangue, dai-Me todo o vosso ser. Eu não posso sofrer mais. Passei por todos os padecimentos da Cruz, esgotei todos os sofrimentos que o Meu Corpo físico podia suportar, mas não preenchi a medida dos tormentos necessários ao Meu Corpo Místico, do qual vós fazeis parte. A Missa é o momento em que cada um de vós pode escutar literalmente aminha exortação: ‘Toma a tua cruz e segue-Me’”.

Do alto da Cruz, Nosso Senhor já olhava para todos aqueles que haviam de vir, para todos nós, esperando que algum dia nos entregássemos a Ele no momento da consagração. Assistindo à Santa Missa, realizamos, portanto, a esperança que antecipadamente Jesus pôs em nós. 
Quando chega o momento da consagração, em obediência às palavras de Deus Nosso Senhor, “Fazei isto em memória de Mim”, o sacerdote toma o pão e diz: “Este é o Meu corpo”; depois, sobre o cálice que contém o vinho, acrescenta: “Este é o Meu sangue do novo e eterno Testamento”. A consagração do pão e do vinho é feita separadamente, como representação da separação do corpo e do sangue; tal como sucedeu na crucificação, o drama do Calvário repete-se sobre o altar.

Cristo não está, porém, sozinho no nosso altar, pois nós estamos com Ele. Daí o duplo sentido da palavra da consagração que, em primeiro lugar, significam: “Este é o Corpo de Cristo; este é o Sangue de Cr isto”. O segundo significado é: “Este é o meu corpo, este é o meu sangue”.

E é esta a finalidade da vida! 
Reunirmo-nos em união com Cristo, aplicar os Seus méritos às nossas almas, imitando-O em todas as coisas, e até na Sua própria morte sobre a Cruz.
A consagração que Jesus fez no Calvário é repetida por cada um de nós quando assistimos à Santa Missa.
Não existe algo de mais trágico no mundo do que a dor sofrida em vão. Quanto sofrimento existe nos hospitais, entre os pobres e os abandonados, e quantos desses sofrimentos são perdidos! E por quê? Porque muitas almas, abandonadas, crucificadas, não dizem, unidas a Nosso Senhor, no momento da consagração: “Este é o meu corpo. Tomai-O”.
Nenhum padecimento seria desperdiçado, vão, se todos aqueles que sofrem, dissessem nesses momentos: “Meu Deus, entrego-me nas Vossas mãos. Toma o meu corpo, o meu sangue, a minha alma, a minha vontade, a minha energia, a minha força, os meus bens, a minha saúde.
Toma tudo o que eu sou e possuo, pois eu me consagro inteiramente a Vós e em união conVosco, para que o Pai Celestial veja nessa dádiva o Vosso bem-amado Filho.

Àquele em quem Ele pôs todas as Suas complacências. Transmuda o pobre pão da minha vida na Vossa vida divina; transforma o vinho da minha vida desperdiçada no Vosso divino espírito; une o meu coração despedaçado ao Vosso coração; transforma a minha cruz num crucifixo.

Não deixes que a minha dor e o meu abandono se percam, junta os seus fragmentos e, tal como a gota de água é incorporada no vinho, durante o ofertório da missa, deixa que a minha vida se incorpore na Vossa.
Deixa que a minha pequena cruz se reúna à Vossa grande Cruz, para que eu possa obter as alegrias da felicidade eterna, em união conVosco!  Consagra as provações da minha existência, pois elas não serão compensadas, senão por meio da minha união conVosco. Transubstancia-me, tal como o pão que é agora o Vosso corpo, e o vinho que é agora o Vosso sangue, e eu serei inteiramente Vosso.
Não me importa que as aparências permaneçam, tal como sucede ao pão e ao vinho, e que aos olhos da terra eu pareça o mesmo que era antes. A minha permanência no mundo, os meus deveres habituais, o meu trabalho, a minha família – tudo isso representa as espécies da minha vida que continuam inalteradas.
A substância da minha vida, porém, a sua essência, - a minha alma, a minha vontade, o meu espírito, o meu coração – transubstancia-os, transforma-os inteiramente no Vosso serviço, para que todo o meu ser possa saber e sentir toda a doçura do amor de Cristo”. Amém.

PS. Todas as intervenções (destaque de cor, negrito ou sublinhado) são da minha inciativa (FN).


quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Eucaristia e Calvário. Fulton Sh. Sanctus. "Mulher, eis aqui o teu filho..."


SANCTUS    (3a Parte do livro: "O Calvário e a Missa" de Fulton J.Sheen)

Mulher, eis aqui o teu filho... Eis aqui a tua mãe (João 19,26-27)
Cinco dias antes, Jesus fizera a Sua entrada triunfal em Jerusalém. Aos Seus ouvidos soavam gritos de triunfo; o chão que os Seus pés pisaram foi juncado de folhas de palmeira, e nos ares ecoaram aclamações ao filho de David, e louvores ao Sagrado Filho de Israel. Àqueles que se mantiveram silenciosos durante as demonstrações feitas em Sua honra, Nosso Senhor lembrou que se as suas vozes não se faziam ouvir, as próprias pedras falariam por eles. Esse foi o dia de nascimento das catedrais góticas.
Eles não conheciam a verdadeira razão pela qual Lhe chamavam Sagrado, nem tampouco compreendiam o motivo que levava Jesus a aceitar o tributo dos seus louvores. Eles pensavam que aclamavam uma espécie de rei da terra. Jesus aceitou essas demonstrações porque ia ser o Rei de um império espiritual. Ele aceitou os seus tributos, as suas aclamações e exclamações de louvor porque caminhava, como uma vítima, ao encontro da Sua Cruz.
Toda a vítima deve ser sagrada – Sanctus, Sanctus, Sanctus.

Cinco dias depois, verificou-se o “Sanctus” da Missa do Calvário; mas naquele “Sanctus” da Sua Missa, Jesus dirigiu-Se àqueles que já eram santos – a Sua querida Mãe e ao Seu bem-amado discípulo João. Palavras tocantes foram essas: “Mulher eis aqui o teu filho... Eis aqui a tua Mãe!”.
Falando agora aqueles que já eram santos, Jesus não carecia da divina intercessão, pois Ele era o Filho de Deus. Nós, todavia, precisamos de santidade, pois cada vítima da Missa deve ser santificada, impoluta.

Como podemos, porém, ser os santos participantes do Sacrifício da Missa?

Segundo a própria resposta de Jesus, consegui-lo-emos colocando-nos sob a proteção da Sua Mãe Santíssima. Ele dirige-Se à Igreja e a todos os seus membros, representados na pessoa de João, e diz a cada um de nós: “Eis a tua mãe”.
Por que foi, porém, que Jesus se dirigiu a Maria, chamando-lhe Mulher, em vez de Mãe? É que ela era agora a Mãe de todos os cristãos, e a Sua missão era universal – Mãe do Corpo Místico da Igreja, Mãe de todos nós.
Há um tremendo mistério oculto naquela palavra “Mulher”. Essa foi, realmente, a última lição de renúncia que Jesus deu a Maria, e a primeira lição de um novo laço.
Nosso Senhor alienara gradualmente a Sua afeição por Sua Mãe, não porque a amasse menos, mas sim e apenas porque ela tinha agora mais a quem amar.

Maria desprendia-se da maternidade da carne, para se prender mais à grande maternidade do espírito. Daí, o emprego da palavra "Mulher". Ela havia de fazer de nós outros tantos Cristos, porque fora ela quem criara o Filho de Deus. Só Maria podia transformar-nos em criaturas santificadas, dignas de pronunciar o Sanctus, Sanctus, Sanctus da Missa do Calvário.
A história de preparação para o papel de Mãe do Corpo Místico de Cristo, está representada nas três cenas da vida do Seu Divino Filho, as três lições reveladas no drama do Calvário, principalmente aquela em que Maria foi chamada a ser, não apenas a Mãe de Deus, mas também a mãe dos homens, não apenas a mãe daqueles que já eram santos, mas também daqueles que pediam para ser santificados.

A primeira teve lugar no Templo, onde Maria e José encontraram Jesus, depois de O terem procurado durante três dias. Sua amada Mãe disse-Lhe que os Seus corações tinham sofrido deveras durante aquela angustiosa procura, ao que Jesus respondeu: “Não sabes que devo ocupar-Me das coisas de Meu Pai?”
Nestas palavras, Jesus queria significar: “Tenho outra missão, além do trabalho da oficina de carpinteiro. Meu Pai mandou-Me a este mundo para a suprema tarefa da Redenção, por meio da qual todos os filhos dos homens serão filhos adotivos do Meu Pai celestial, tornando-se, assim, membros da grande irmandade de Cristo, o Seu Filho”.
Quem poderá dizer quanta luz estas palavras derramaram sobre Maria? Também não sabemos se Ela compreendeu então que a Paternidade de Deus havia de confiar-Lhe o título de mãe dos homens.

Dezoito anos depois, na festa das bodas de Cana, Maria teve, porém, pleno conhecimento de tal missão.
Como é consolador pensarmos que Jesus, pregando a penitência, e insistindo para que tomássemos a nossa cruz diariamente e O seguíssemos, iniciasse a Sua vida pública, assistindo a uma boda!
Que maravilha compreensão dos corações humanos!
Quando, no decorrer do banquete, o vinho se acabou, Maria, sempre solicita para com aquele que A rodeavam, foi a primeira a reparar e a procurar o remédio para aquela falta. Ela limitou a dizer a Nosso Senhor: “Não tem vinho”; e Ele respondeu: “Mulher, e o que importa isso, a mim ou a ti?” Jesus não A tratou por Mãe, mas sim por Mulher, o mesmo título que Lhe dera três anos antes. 
Jesus queria dizer-Lhe: “Queres que faça algo que Me pertence, como Filho de Deus; pedes-Me que faça um milagre que só Deus pode fazer; pede-Me que exerça a minha divindade que se relaciona com a espécie humana, principalmente como seu redentor.
Quanto a divindade operar pela salvação do mundo, Vós serás não apenas minha mãe, mas também a mãe da humanidade redimida. A Vossa maternidade física exercer-se-á no mundo mais vasto da maternidade espiritual, e é essa a razão pela qual Vos chamo mulher”. Depois, para provar o poder da intercessão de Maria no Seu papel de mãe universal, Ele ordenou que enchessem as brilhas de água e operou-se o primeiro milagre: “As águas, conscientes, viram o seu Deus e coraram”.

A terceira cena ocorreu dois anos depois. Um dia, enquanto Jesus pregava, alguém O interrompeu, para dizer: “Vossa mãe não cessa de procurar-Vos”, ao que Jesus respondeu: “Quem é minha mãe?” E, estendendo as mãos para os Seus discípulos, disse: “Contemplai minha mãe e meus irmãos, pois todo aquele que fizer a vontade de Meu Pai que está no céu, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. O significado destas palavras é irrefutável. Há uma maternidade espiritual e parentescos que não são carnais, nem laços de sangue, mas sim ligações do espírito que nos unem ao Reino Supremo, à Irmandade de Cristo.

Estas três cenas tiveram o seu clima junto à Cruz onde Maria recebeu o título de “Mulher”. Foi essa a segunda Anunciação. O anjo dissera-Lhe primeiro: “Ave Maria”. Seu Filho falou-Lhe em segundo lugar, tratando-A por “Mulher”, o que não significa que Ela deixava se ser Sua mãe, porque havia de ser sempre a Mãe de Deus. A Sua maternidade havia, porém, de expandir-se, espiritualizar-se, tornar-se universal, pois, naquele momento, Maria ficou sendo Nossa Mãe.
Nosso Senhor criou o laço onde, por natureza, ele não existia, e que só Ele podia criar.
E como foi que Maria Se tornou Mãe dos homens? Tornando-se, não somente mãe, mas também esposa de Cristo. Ele era o novo Adão e Ela a nova Eva. E, tal como Adão e Eva, tiveram a sua progênie natural, que somos nós.

Também Cristo e Sua Mãe deram origem, na Cruz, à Sua descendência espiritual, que somos nós – os filhos de Maria, ou membros do Corpo Místico de Cristo.
Maria teve o Seu primogênito em Belém. Note-se que São Lucas chama a Nosso Senhor primogênito, não porque Maria tivesse outros filhos, segundo a carne, pois a Sua segunda maternidade seria de caráter espiritual.
No momento em que Nosso Senhor Lhe disse “Mulher”, Ela tornou-se, de certa maneira, esposa de Cristo e concebeu em dor o Seu primeiro filho espiritual, cujo nome foi João.

O Seu segundo filho não sabemos quem foi. É possível que fosse Pedro, ou André. De qualquer maneira, todos nós representamos os milionésimos dos milionésimos descendentes daquela Mulher que permaneceu aos pés da Cruz. A troca foi realmente desvantajosa para Aquela que recebeu o filho de Zebedeu, em vez do Filho de Deus.
A nossa vantagem foi, porém, maior, pois, ao passo que Maria não adquiria mais do que filhos insubmissos e tantas vezes rebeldes, nós obtínhamos a mais adorável das mães que existem no mundo - A Mãe de Jesus.

Nós somos filhos de Maria. Literalmente, filhos. Ela é nossa mãe, não por título de ficção, nem de cortesia; ela é nossa mãe porque sofreu naquele momento memorável, e por todos nós, as dores da maternidade. E porque é que Deus quis que ela fosse nossa mãe? Porque Ele sabia que, sem a sua proteção e auxílio, jamais seríamos santificados. Jesus veio até nós por intermédio da pureza de Maria, e só através da pureza de Maria conseguiremos chegar até junto d'Ele.

Cada vítima que sobe ao altar, sob as espécies de pão e de vinho, deve ter proferido o Confiteor e transformar-se em vítima santificada. Sem Maria, não há, porém, santificação.
Note-se que quando tal palavra foi dirigida a Maria, estava prostrada junto à Cruz, uma outra mulher. Já repararam que, praticamente, todas as imagens tradicionais da Crucifixão representam sempre Madalena ajoelhada aos pés da Cruz?
Nunca vimos, no entanto, uma imagem de Maria prostrada. João estava presente e refere no seu Evangelho que ela estava de pé. E por que? Porque era a posição que lhe competia no papel que ali desempenhava, em relação a nós. Maria, a nossa Mãe.
Se Maria estivesse prostrada por terra, naquela hora, tal como Madalena, se ela tivesse sequer chorado, a sua mágoa teria tido um lenitivo. As dores que não desatam, esmagam o coração. Essa dor foi parte do nosso preço de compra, pago pela nossa co-Redentora, Maria, a Mãe de Deus!

Nosso Senhor deixou-a ficar sobre a terra quando Ele subiu aos céus, para que ela fosse a mãe da Igreja, a nossa mãe. A Igreja, infante ainda, carecia do amparo materno, tal como Jesus quando era menino. E foi assim que Maria permaneceu sobre a terra, até que os seus filhos, a sua família se criassem e desenvolvessem. E foi essa a razão porque a encontramos orando com os Apóstolos, enquanto aguardavam a vinda do Espírito Santo.
Mais tarde, foi para o céu, coroada de Rainha dos Anjos e dos Santos, para assistir a outra boda de Caná e interceder por nós, junto ao Salvador, pois nós éramos seus filhos, irmãos de Cristo, e filhos do Pai Celestial.
Virgem Mãe! Que formosa conjugação de virgindade e maternidade, em que a segunda supre a deficiência da primeira.

À virgindade falta qualquer coisa, pois há nela algo de incompleto, que necessita de ser preenchido, uma faculdade invulgar.
A maternidade, isolada, perde qualquer coisa: ela representa uma rendição, uma florescência incompleta, uma frutescência inacabada.
Oh! Foi um milagre divino, essa conjunção, na qual à virgindade nada faltava e a maternidade nada perdeu! Encontramos ambas as coisas em Maria – Virgindade e Maternidade - a Virgem que recebeu o Espírito Santo, em Belém e no Pentecostes; mãe, por intermédio dos Seus milhões de descendentes, desde Jesus até nós.

A adoração que prestamos a Maria e aquela que prestamos a Nosso Senhor são distintas, pois veneramos nossa mãe e adoramos o Salvador. A Jesus pedimos aquelas graças que só Deus pode conceder: mercê, graça, perdão.
A Maria, suplicamos que interceda por nós, junto d’Ele, especialmente na hora da nossa morte.

Sabemos que Nosso Senhor escuta e atende os apelos de Sua Mãe Santíssima. A nenhum outro santo podemos falar como uma criancinha fala a sua mãe, pois nenhuma outra virgem, ou mãe, ou mártir, ou confessor jamais sofreu tanto por nós como ela sofreu. Ninguém jamais firmou tão solidamente os nossos direitos à proteção e ao amor.

Maria é a medianeira de todas as graças que Jesus pode dispensar-nos, pois foi por intermédio de Maria que Jesus veio até nós. Desejamos ser santificados, mas sabemos que tal só é possível por meio de Maria, pois ela foi a dádiva que Jesus nos ofereceu no Sanctus da Sua Cruz.
Não há mulher que possa esquecer o filho das suas entranhas. Maria não pode, pois, certamente, esquecer-nos. É precisamente isso que nós sentimos no íntimo dos nossos corações. Em todas as circunstâncias da nossa vida, nossa Mãe Santíssima vela por nós, pois ela vê em cada um dos seus filhos a criança inocente da Primeira Comunhão, o pecador penitente, encaminhando-se para a Cruz, o coração despedaçado, suplicando que a água da vida dissipada se transforme no vinho do amor de Deus.
Em todas essas circunstâncias ressoam aos ouvidos de Maria as palavras pronunciadas do alto da Cruz, sobre o Calvário: "Mulher, eis o Vosso filho!"

PS. Todas as intervenções (destaque de cor, negrito ou sublinhado) são da minha inciativa (FN).