Tenho a satisfação de reproduzir o texto do muito estimado Pe. Paulo Ricardo. Mesmo sem a sua autorização expressa, tenho a certeza do seu consentimento, pelo pouco que o conheço das suas pregações e textos escritos.
O mistério da
iniquidade e a apostasia dos cristãos
Os afrescos de Lucas Signorelli sobre o fim do mundo,
expostos na capela de São Brizio, na Catedral de Orvieto, traduzem um aspecto
dramático da história humana: a atuação do Anticristo. Para a Tradição da
Igreja, encontrada de maneira explícita no Didaquê - o primeiro catecismo dos
cristãos - este ser seria o sedutor do mundo, ou seja, aquele que "aparecerá
como o filho de Deus e fará milagres e prodígios; e a terra será abandonada em
suas mãos; e realizará iniquidades como nunca houve".
De uns tempos pra cá, a fé acerca do Juízo Final e da
existência do demônio tem se tornado obsoleta. Muitíssimas pregações dão
enfoque apenas à afabilidade de Deus e à sua misericórdia. Com efeito, uma vez que se exclui a justiça divina e a
sedução diabólica da catequese cristã, abre-se caminho à banalização do mal, pois se o cristianismo já não
prega sobre o inferno, mas apenas sobre a ternura de Deus, isso significa que já não é mais necessária uma mudança de vida
para se enquadrar nos desígnios de Deus. Afinal de contas, se Deus é amor e
tudo perdoa, concluem alguns, qual o sentido de se preocupar com o pecado?
Esse triste relativismo é uma tendência muito em voga nos
tempos atuais, sobretudo no que diz respeito aos valores inegociáveis da fé
católica e às perseguições que a Igreja sofre. Ao invés de se indispor com
o mundo, a pessoa prefere não tomar partido de nenhuma situação, para que possa
agradar a todos, mesmo que isso signifique negar a verdade. O Catecismo da
Igreja Católica denuncia que essa é uma atitude genuinamente diabólica: “a
impostura religiosa suprema é a do Anticristo, isto é, a de um
pseudo-messianismo em que o homem glorifica a si mesmo em lugar de Deus e de
seu Messias que veio na carne", (Cf. CIC 675).
O perfil do Anticristo, segundo o teólogo Cardeal Giacomo
Biffi, apresenta "altíssimas demonstrações de
moderação, de desinteresse e de ativa beneficência". Além
disso, é um pacificista nato, com grandes preocupações ecológicas e
humanitárias. De Cristo, nega peremptoriamente a moral, pois, de acordo com sua
concepção, ela seria causa de divisões. Em linhas gerais, ele traz uma
promessa de libertação e triunfo político, ou seja, um messianismo secularizado,
qual propõe algumas correntes teológicas por aí. Esse falso misticismo foi
condenado pelo Magistério da Igreja diversas vezes como, por exemplo, na
encíclica Divini Redemptoris do Papa Pio XI sobre o comunismo ateu.
É curioso - e terrível ao mesmo tempo - perceber que numa
época em que já não se fala mais de Anticristo, Diabo e Juízo Final, mas
simplesmente de "amor" e platitudes, o número de violências, guerras
e outros males é absurdamente enorme como nunca antes. C.S. Lewis, autor
das Crônicas de Nárnia, escreve no seu livro Cartas de um Diabo ao seu
aprendiz que a melhor maneira de o demônio conquistar o mundo é
fazendo com que a humanidade não creia nele.
Ora, acaso não está cada vez mais comum encontrar cristãos
que pregam o amor, mas são incapazes de protestar contra o aborto? Pessoas que
fazem campanhas e propõem prisões a agressores de animais, mas sequer se
importam com o mendigo na porta da casa? Ou então aqueles católicos que dizem amar Jesus, mas são
negligentes com o pecado, sem perceber que com isso eles são também
responsáveis pelas chagas de Cristo na cruz? Ora, denunciou o então Cardeal Joseph
Ratzinger na Via-Sacra de 2005, "não se pode continuar a banalizar o mal, quando
vemos a imagem do Senhor que sofre". E no entanto, o mal é o
que mais se pratica hoje, e por pessoas que se dizem cristãs!
Sim, o Anticristo está solto no mundo e tem feito muitos
discípulos. São servos do maligno
aqueles que relativizam a verdade e propõem a apostasia como
alternativa à perseguição à Igreja. Enquanto os mártires do passado morreram
para que a fé católica fosse preservada e professada hoje, muitos seguidores do
Anticristo têm servido a cabeça da Igreja numa bandeja para o príncipe deste
mundo. Falam de amor, preocupam-se com a natureza e pregam a paz, mas não se
incomodam nem um pouco quando a fé em Jesus Cristo é ultrajada pelas hostes
infernais. É o "mistério da iniquidade" predito pelo Senhor quando
perguntou aos apóstolos: "quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé
sobre a terra?" (Cf. Lc 18, 8).
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