segunda-feira, 30 de junho de 2014

Gênero & Narnia

Imagino que quase todos conheçam o mundo da Nárnia. Assim como as obras de Tolquien, conhecido, sobretudo pela trilogia “Senhor dos anéis”, as obras de CS Lewis, foram oferecidas ao público mais amplo pelas ecranizações e reedições impressas. Acho importante e enriquecedor mergulhar no mundo destes escritores, ambos de alma grande e mente aberta.

No mundo nosso, em que a ideologia de gênero (inglês: “gender”) avança e ameça reduzir o ser humano a um bicho racional, que livremente se priva de uso da razão, em virtude de satisfação das necessidades instintivas, CS Lewis traz uma proposta. Apresenta, como contrapartida, personagens positivas, portadoras de bem, capazes de resgatar a humanidade sendo degenerada pelas diversas correntes, oriundas da cultura da morte.

Importante é saber que foi Clive Staples Lewis. Foi um escritor irlandês e professor de filologia clássica (1898-1963). As experiências difíceis e dolorosas na infância fizeram com que por muitos anos era um atéu militante. De inteligência incomum ele pensava que conseguiria provar a inexistência de Deus. Até que chegou um dia em que a sua mundivisão começou “balançar”. Começou a sentir uma inexplicável saudade. E desta vez, o seu intelecto apontava e se inclinava a algo diferente. A aceitação da existência de Deus se torna a única explicação e a única resposta para a pergunta pela fonte de vida, pelo início do universo e pela ordem moral. Assim começou o seu processo de conversão, levando-o a vivência apaixonante e profunda de fé.

A conversão e assimilação da mundivisão cristã mudou toda a vida de Levis. Transformaram as suas relações com as pessoas e infundiram n’ele a alegria e a esperança. A “Trilogia Cósmica”, as “Cartas de um diabo ao seu aprendiz” ou as “Crônicas de Nárnia” são tentativas de expressão desta profunda experiência interior.


Obviamente, CS Lewis não conhecia o termo “gender”, ou seja, “ideologia de gênero”, que são conceitos cunhados recentemente (por volta do ano 1960)1, no entanto percebia o perigo da chegada de uma nova “cultura”, nova tendência-mentalidade, propagadas sob a bandeira de modernidade, no entanto devastadoras e hostis à vida, família, a ordem social.  A problemática abordada por Lewis continua atual em nossos dias e a dificuldade de enfrentá-la consiste, sobretudo, na devastação que já causou nas mentes e nos corações humanos. Fica difícil (humanamente impossível) convencer os habitantes da ilha dos cegos (como se lê numa estorinha), onde todos já nasceram assim, que existem as cores, o céu azul, a diversidade de flores, tampouco que existe outro mundo além da ilha deles... Estas tentativas não passariam de serem consideradas por eles como mentirosas e loucas.

A visão do mundo de Lewis apoia-se nos valores tradicionais. Consequentemente acentua o seu apreço à tradição, por meio de estética e de apontamento a certos modelos de comportamento. A casa, a família e amizade são verdadeiras fontes de felicidade. Os procedimentos e valores opostos estão sendo decididamente reprovados por ele. Assim Lewis se opõe a modernidade. Por exemplo, no “Peregrino da Alvorada” ao confrontar dois modelos de educação, mostra que o modelo moderno forma uma criança sábia e inteligente, mas insensível e privada da imaginação e sensibilidade típicas a uma criança, que parece ser uma pessoa adulta (hoje alguns se orgulham disto, expondo como o filho é “inteligente”).

Igualmente, Lewis critica o modelo de educação, no “A cadeira de prata”. Na escola, em nome de liberalismo e progresso, não se respeita nenhumas regras, não há obrigações nem disciplina. Reina a fé na ciência e no progresso, enquanto entre as crianças não se fala da amizade, da lealdade. Crescem indivíduos independentes um do outro, dispostos a competir.
Outra questão importante para Lewis e para o mundo moderno é a iniciação para vida adulta. Ela é apresentada no processo de transformação de um dos personagens principais do “A cadeira de prata”, o Eustáquio, bem como dos demais personagens. Na verdade todos têm de passar pela iniciação

E como é bem sabido, um dos problemas do mundo moderno é a falta desta iniciação. A falta de um momento marcante de passagem da infância para a vida adulta tem a sua repercussão na vida social e familiar. Interessante que não somente as culturas antigas cultivavam e apreciavam a iniciação à vida adulta, mas ainda hoje o fazem os nossos índios e algumas organizações.

Quando se lê as obras de Lewis, se tem uma impressão irresistível que no mundo dele as crianças são crianças de verdade (dotadas de intuição e imaginação), que os homens são homens de verdade, como se entedia antigamente (corajosos, altivos, prudentes, diligentes) e que as mulheres são vigorosas e particularmente sensíveis 2.

É de suma importância esta contribuição de Lewis. Hoje, sobretudo, os adeptos da ideologia de gênero disseminam as suas teorias de que estes papeis sociais são relativos e a sexualidade humana como tal não existe, mas é um “produto” da sociedade 3. Impressionante é que já nos anos 40, do século passado, podia se observar esta tendência, que hoje, por meio da obsessiva ideologia, dominou a sociedade moderna.

Lewis, como cristão autêntico, abertamente expressa a sua mundivisão conservadora. Mostra como o esquecimento ou a rejeição do passado pode levar aos erros irreparáveis e, até mesmo, a perdição daquilo que é o mais importante na vida.

Assim como Lewis, deve agir cada pessoa do bem. Sem medo, mas também sem falso triunfalismo. O mundo, como aqueles moradores da ilha dos cegos vai atacar, pensando que se defende, porque não enxerga. Não devemos recuar. Com serenidade, mas também com firmeza é preciso testemunhar em favor da vida racional e irracional.

1/ veja a postagem anterior: Gênero-ideologia. "Gender" - uma nova, perigosa ideologia.
3/ veja a postagem anterior: Gênero-ideologia. "Gender" - uma nova, perigosa ideologia.

PS.
Vários livros de C.S.Levis, em formato pdf, podem ser encontrados aqui:


segunda-feira, 23 de junho de 2014

Igreja & Querigma

Para muitos cristãos a palavra “querigma” soa estranho. O que é isto - dizem? Respondendo, pode se dizer que Querigma é a primeira evangelização, o primeiro passo para o conhecimento da Verdade e do novo, pleno sentido da vida.

A Igreja por muito tempo não valorizou devidamente a primeira evangelização, o Querigma (supondo, com toda razão, que a evangelização fundamental acontece no seio da família). “Querigma” vem da língua grega: κήρυγμα, kérygma – e significa: proclamar, gritar, anunciar. É o primeiro anúncio de Jesus Cristo. Trata-se de apresentar Jesus Cristo, morto, ressuscitado e glorificado com a finalidade de suscitar a fé e levar a conversão (a mudança de conduta na vida) para ter a experiência da vida nova, no seguimento de Jesus Cristo.

A Igreja, então, insistia na “sacramentalização” e na catequese, como meios de evangelização. Acontecia e, infelizmente acontece ainda hoje, que o catequizando assimilava, as vezes perfeitamente, a doutrina da fé e normas morais, mas lhe faltava o essencial – a fé! Somente aplicação da doutrina pode criar futuros formalistas, indiferentes ou fanáticos fundamentalistas da religião. Tem de se lembrar do princípio fundamental exigido por Jesus: “É necessário nascer do novo” (cf. Jo 3, 1-15).

Um novo conceito de evangelização e um impulso para ela trouxe o Concílio Vaticano II, depois o Papa Paulo VI, na Exortação Apostólica "Evangelii Nuntiandi" (1975), como também, a IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano de Santo Domingo (1992) cujas ideias assumiu o papa João Paulo II, realizando uma Nova Evangelização, por meio de ensinamentos e da sua própria vida.

O Querigma deve levar a experiência pessoal de vida com Jesus Cristo. É uma vida nova, pois consiste em rompimento com a vida passada (seus hábitos e sua mentalidade) para viver, agir, falar e pensar diferentemente, no espírito do Evangelho que é próprio Jesus Cristo. Nisto consiste a salvação, ou seja, o abandono do “barco que está naufragando”, para entrar -pela fé-  na “Arca de Jesus” (At 2,14-41).

O anuncio querigmático suscita a fé e entusiasmo por Deus e pela Igreja. E esta é a sua finalidade. Depois, surge o desejo de conhecer melhor Jesus Cristo e aprofundar-se nesta nova vida. Então, o homem busca a catequese por iniciativa própria, não sendo pressionado por ninguém...

Se este anúncio não for efetivo, ou seja, se alguém ao ouvir o anúncio, não receber Jesus Cristo, como Senhor, não acreditar n’Ele e no Seu Plano – não pode ser catequizado!

Se, mesmo assim, alguém quisesse o fazer seria desonesto e causaria dano para aquela pessoa (privando-a da chance de conhecer a Verdade), para a Igreja (faria aumentar o número de “cristãos sem fé”, destruindo a família-comunidade e reduzindo a Igreja à uma associação) e para o mundo (“produziria” falsos cristãos que, por sua vez, representam um falso rosto de Deus e da Igreja).

Catequizar as pessoas não evangelizadas é o mesmo que semear no asfalto (paráfrase da expressão do Pe.Raniere Cantalamessa) ou tentar alimentar os mortos. É tempo perdido e o alimento perdido. Além disso, um tal “evangelizador-catequista” se expõe ao ridículo. Tenta dar alimento a quem já (ou ainda) não vive ou não o deseja. Isto significa “jogar as perolas diante dos porcos...” (Mt 7,6). Primeiro tem de ressuscitar, depois o alimentar... (Mc 5,35-43).
Seria importante que os formadores da vida religiosa e dos seminários, responsáveis pela formação de futuros sacerdotes e consagrados, levassem mais em consideração a necessidade de evangelizar os candidatos, pois há o mesmo perigo de “formar” os religiosos sem a fé... Neste caso as conseqüências seriam muito mais amplas e mais graves do que no caso de catequese dos leigos.

Não basta alguém ser um bom praticante da religião. Não são apenas obras que salvam, mas a fé (Rom 3, 28-30; 11,6). Inclusive, a Reforma Protestante, entre outras, foi inspirada por esta prática desligada da fé.

É preciso ajudar ao evangelizado ter motivações que nascem da fé, motivações evangélicas. Ajudá-lo a crescer na fé e ter criatividade e iniciativa. Estes serão sinais de uma fé salvadora e fecunda. Uma fé capaz de ser suporte da vida e de acender a chama em outras vidas...

terça-feira, 10 de junho de 2014

Missa & ofertório

Missa como Sacrifício de Jesus Cristo, consumado no Calvário (sacrifício incruento), é um Oferecimento por excelência, pelo qual toda a humanidade, dominada pela escravidão do amor próprio, fica beneficiada, ganhando a justificação e a vida.

Ao realizar o Sacrifício de Si mesmo (do contrário às práticas de todas as religiões, incluindo o judaísmo, que ofereciam às divindades produtos da terra, animais e até sacrifícios humanos) Jesus Cristo destrói a lógica do amor próprio, reinante no mundo até então e, abre o caminho para o amor novo, amor com que Ele amou e que consiste em oferecer-se ao outro desinteressadamente (Heb 7, 28; 9,14; 9,25; 9,26; 9,28).


A vida toda de Jesus foi um contínuo oferecimento de Si à vontade do Pai e às pessoas, sobretudo mais às necessitadas. Este espírito de entrega e sacrifício de si próprio, foi perpetuado por Jesus na Eucaristia (Lc 22,19), ou seja, na Santa Missa. Assim a Missa, pela própria natureza é um Grande Oferecimento realizado pela Igreja, Corpo Místico de Cristo (Col 1,18. 24; 1Cor 12, 12-24; CIC 800;) para a glória do Pai Eterno e para salvação e santificação do mundo inteiro.

Cada Eucaristia renova a oferta da vida de Jesus pela salvação do mundo. É o ”Santo Sacrifício, porque atualiza o único sacrifício de Cristo Salvador” (CIC 1330). É o Sacramento do oferecimento de Jesus Cristo, «por nós homens e para nossa salvação», como proclamamos no Credo.
O Catecismo da Igreja Católica diz que “a Eucaristia é o coração e o ponto mais alto da vida da Igreja, porque nela Cristo associa a mesma Igreja, com todos os seus membros, ao seu sacrifício de louvor e ação de graças, oferecido ao Pai uma vez por todas na Cruz; por este sacrifício, Ele derrama as graças de salvação sobre o seu Corpo, que é a Igreja” (CIC 1407).

A Igreja oferece ao Pai esta Oblação, perfeita e única, agradável e satisfatória em favor dos vivos e dos mortos (o homem não morre; morre apenas o seu corpo, que inclusive num determinado tempo será ressuscitado) conforme o desejo de Jesus. Ninguém fica excluído (nem mesmo os criminosos e inimigos da Igreja) do Sacrifício redentor de Jesus oferecido, como Eucaristia, pois o seu Sangue foi derramado por todos (Mc 16,15; 14,24).

A doxologia (de duas palvras gregas: “doxa”- glória, honra, e “logos” – palavra, significa “palavra de glória” com que se conclui uma oração ou um hino) principal da Missa (Por Cristo, Com Cristo, Em Cristo...) é um momento solene e culminante do Oferecimento Eucarístico. Oferecimento agradável ao Pai (Rom 12,12; Jo 13, 31-32; 17,1-5,9-10). Nele os participantes da Eucaristia (participar = fazer parte), por terem consciência de ser Corpo Místico do Senhor devem se oferecer ao Pai com o Seu Filho e como Ele, para serem Seus verdadeiros filhos adotivos (Rom 8, 14.17; Gal 3,23-26). Este Oferecimento resulta em Comunhão Sacramental, no final da Celebração.

Em vista do que foi dito, torna-se evidente que o Ofertório, que inicia a segunda parte da Santa Missa, a Liturgia Eucarística, é muito importante. Faz parte do Grande Ofertório Eucarístico, torna-se glória do Pai o que é oferecido, conscientemente e generosamente. Sem o ofertório não há transfiguração, não há Sacrifício. Por isso, à Missa não se vai com as mãos vazias...


O pão e o vinho, que são oferecidos pelo Presidente da Celebração, como frutos do trabalho do homem, representam a vida do homem e o que ele é e, todas as ofertas dos participantes, como expressão de sua entrega generosa para o Sacrifício com Jesus Cristo. Assim os sacrifícios humanos estão unidos ao Sacrifício Redentor do Filho de Deus.  Todas as ofertas apresentadas ficam transformadas, pelo poder do Espírito Santo, em valor infinito e em benefício da humanidade e dos indivíduos.

No pão e no vinho, elementos do nosso mundo e da nossa cultura, oferecemos simbolicamente algo de nós mesmos. O ato de apresentar, juntamente com o pão e o vinho, também ofertas materiais e dinheiro, recorda que a Eucaristia é partilha e comunhão com o próximo. Supõe e exige a reconciliação, solidariedade e compaixão. “Se fores apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, vai primeiro reconciliar-te” (Mt 5,23). O fruto da Eucaristia é que nós nos convertamos em oferenda permanente e em hóstia viva (Rom 12,1).

Não importa o que alguém oferece. Importa que seja feito de coração. Na maioria das vezes oferece-se o dinheiro, porque assim fica mais prático. Perpetuou-se este hábito, mas é preciso lembrar que o ofertório não a forma de arrecadar recursos financeiros, mas é a forma de celebrar a fé e a vida, no amor e na partilha. Por isso, em vez de dinheiro pode se oferecer os bens materiais, frutos do trabalho profissional ou objetos simbólicos, que representem o estado da alma e do coração da gente.

A Deus sempre se oferece o que é de valor. Mas, as vezes, as condições matérias impedem o oferecimento de algo nobre, digno de Deus. Pois, estas situações não dispensam do ofertório. Sempre tem algo a dar. O coração grato, ou sofrido pode se expressar de várias maneiras, até mesmo oferecendo um bilhete, um desenho, uma pedrinha, um objeto, que foi ou é, causa de sofrimento ou de alegria. Naquilo que se oferece, encerra-se um coração que Deus conhece, aceita e transforma. Isto é a essência do ofertório.

É bom, ainda, lembrar o ofertório da viúva evangélica (Mc 12, 41-44) e, quando cantamos o canto do ofertório, durante a Missa, que haja a harmonia entre o que cantam os lábios e o que se entrega como ofertório (“Venho, Senhor, oferecer Com esse vinho e esse pão Tudo que existe em meu ser Tudo que há em meu coração...”).

Faz jus ressaltar, que aquilo que se oferece no altar não deve ser tomado de volta, porque assim o ofertório, em vez de ser a vida e ato de amor, tornar-se-ia um teatro... Lembrem-se disso, sobretudo, as equipes responsáveis pela Liturgia.

Sem ofertório não há sacrifício, não há Missa...