CONFISSÃO (1a Parte do livro: "O Calvário e a Missa" de Fulton J.Sheen)
“Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem
o que fazem” (Lc 23,34).
A Missa principia com a confissão. A
confissão é uma prece na qual confessamos os nossos pecados e pedimos à Nossa
Mãe Santíssima e aos Santos para que intercedam junto de Deus pelo nosso
perdão, pois apenas os limpos de coração poderão ver a Deus. Nosso Senhor inicia
também a Sua Missa com a Confissão, embora ela seja diferente da nossa neste
ponto: Ele é Deus e, portanto, sem pecado. “Qual de vós me arguirá de pecado?” A sua Confissão não pode, portanto, ser uma prece pelo perdão dos Seus pecados, mas sim uma oração pelo perdão dos nossos pecados.
Outros teriam gritado, amaldiçoado, ter-se-iam contorcido, quando os cravos atravessaram os Seus pés e as Suas mãos. Nem a revolta nem a vingança encontram, porém, lugar no peito do Salvador; os Seus lábios não proferem uma única exclamação de represália contra os Seus algozes, nem sequer murmuram uma prece para obter mais forças que Lhe ajudem a suportar as Suas dores.
O Amor Encarnado esquece a angústia e, naquele momento da agonia concentrada, revela algo na altura, da profundidade e inspiração do maravilhoso amor de Deus, quando Jesus pronuncia a sua Confissão: “Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem”.
Ele não disse “Perdoa-Me”, mas sim
“perdoai-lhes”. O momento da morte era, certamente, o mais adequado para
provocar a confissão do pecado, porquanto a consciência, na solenidade das
últimas horas, afirma a sua autoridade. Nem sequer esboço de contrição se
escapou dos Seus lábios. Jesus associou-Se aos pecadores, mas nunca Se associou
ao pecado. Tanto na morte como na vida, Ele nunca teve a consciência de ter
descurado um único dever para com Seu Pai Celestial. E por quê?
Porque um homem imaculado, absolutamente isento de culpa, é algo mais
que um homem – é Deus. E é nisso que reside à diferença.
Nós vamos buscar as nossas orações às
profundidades da nossa consciência do pecado: a própria palavra “perdoa”, prova
que Ele é o Filho de Deus. Repare-se nos termos em que Jesus pediu a Seu Pai
que nos perdoasse - “Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem”.
Quando alguém nos ofende ou censura sem
razão, nós comentamos amargamente a falta de conhecimento de quem assim
procede. Quando, porém, nós pecamos contra Deus, Ele encontra uma desculpa para
perdoar – a nossa ignorância.
Não há redenção para os anjos caídos. As
gotas de sangue que caem da Cruz, na Missa de Sexta-Feira Santa de Cristo, não
tombam sobre as suas cabeças. E por quê? Porque eles sabiam o que faziam. Eles
previam as conseqüências dos seus atos, tão claramente como nós vemos que dois
mais dois são quatro, e que uma coisa não pode existir e deixar de existir, ao
mesmo tempo. Verdades desta natureza, uma vez compreendidas, não podem ser
refutadas, pois são irrevogáveis e eternas.
Foi essa razão pela qual, quando os anjos
decidiram revoltar-se contra o Altíssimo, não puderam voltar atrás com a sua
decisão. Eles sabiam o que estavam a fazer!
Conosco, no entanto, é diferente. Nós não
vemos as conseqüências dos nossos atos com a mesma clareza, porque somos mais
ignorantes que os anjos. Se, contudo, soubéssemos que cada pecado de orgulho
tece uma coroa de espinhos para a fronte de Jesus; se soubéssemos que cada
transgressão dos Seus Divinos Mandamentos é a negação da própria Cruz; se
soubéssemos que os atos da avareza e soberba correspondem aos cravos que
trespassam as mãos e pés de Jesus; se, conhecendo a bondade de Deus,
continuássemos a pecar, nunca teríamos sido salvos.
É apenas a nossa ignorância do infinito amor do Sagrado Coração que
nos abrange na prece da Sua Confissão, pronunciada do alto da Cruz: “Pai,
perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem.”
Estas palavras devem ser gravadas no
íntimo das nossas almas, e não constituírem desculpa para a nossa reincidência
no pecado, mas serem, antes, um motivo de contrição e penitência. O perdão não
é uma negação do pecado. Nosso Senhor não nega o horrível fato do pecado, e é
precisamente neste ponto que o mundo erra, pois considera-o como que um
retrocesso ao processo evolucionário, uma sobrevivência de influências do
passado e identifica-o com a verbosidade psicológica. Numa palavra, o mundo
moderno nega o pecado.
Nosso Senhor lembra-nos que ele é a mais
terrível de todas as realidades. Sendo assim, porque, é, porém, que Ele deu uma
cruz àqueles que não pecam? Porque é que deixou derramar sangue inocente?
Porque é que estão ligados ao pecado, sentimentos horríveis, como a cegueira
moral, a covardia, o ódio e a crueldade?
Porque é que Ele saiu do reino do
imaterial, revestiu a forma material, e permitiu que a Inocência fosse
crucificada num madeiro?
Jesus, que amou os homens até a ponto de
morrer por eles, permitiu que o pecado exercesse a sua vingança sobre Ele, para
mostrar todo o horror representado pela crucifixão de Aquele que mais amava.
Aqui, não há, portanto, negação do pecado; a despeito de toda a monstruosidade
que ele representa, a Vítima perdoa. A morte de Jesus revela a suprema
depravação do pecado, mas tem também a marca de perdão divino. Sendo assim, não
há homem que, olhando para um crucifixo, possa afirmar que o pecado não é uma
coisa grave, nem também possa asseverar que ele não tem perdão.
Pela maneira como sofreu, Jesus revelou a
realidade do pecado. Pela maneira como suportou os seus tormentos, Ele revela a
Sua compaixão pelo pecador. Ele é a Vítima que sofreu e perdoa. Assim na
Vítima, tão humanamente bela, tão divinamente adorável, qualquer de nós pode
recordar um Grande Crime e um Grande Perdão. Sob o escudo, que é o sangue de
Cristo, podem abrigar-se os maiores pecadores, pois esse sangue tem o poder de
sustar as marés da vingança que ameaçam submergir o mundo.
O mundo pode explicar o pecado à sua maneira e desculpá-lo; só, no
Calvário, podemos encontrar o perfeito conhecimento da divina contradição do
pecado perdoado. A renúncia voluntária e o divino amor transformam o pecado na
ação mais nobre e na mais suave e piedosa súplica que o mundo jamais viu e
ouviu – a Confissão de Cristo: "Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o
que fazem”.
Aquela palavra “perdoai”, que soou do alto
da Cruz naquele dia em que o pecado se ergueu a toda a altura e com toda a sua
força, para ser vencido pelo Amor, produziu um eco que ainda não se extinguiu.
Pouco antes da Sua Morte, o Divino
Salvador instituía os meios para prolongar o perdão, através do espaço e do
tempo, até ao fim do mundo. Reunindo à Sua volta os membros da Sua Igreja, Ele
disse aos Seus Apóstolos: “Aquele a quem perdoardes os pecados serão
perdoados”. Em qualquer ponto do mundo dos nossos dias, desde então, os
sucessores dos Apóstolos têm o poder de perdoar. Não nos cabe perguntar: Mas,
como pode um homem absolver os pecados, se, realmente, um homem não tem esse
poder? É Deus quem perdoa, por intermédio do homem. Pois não foi essa a maneira
como Ele perdoou àqueles que o pregaram na Cruz, visto que estava revestido da
natureza humana? Não será, pois, razoável esperar que Ele nos perdoe os pecados
por intermédio de outras naturezas humanas, às quais Ele conferiu esse poder?
E onde encontraremos essas naturezas humanas? Lembro, a propósito, a
história daquela caixa, cujo conteúdo fora durante muito tempo ignorado e até
ridicularizado pela sua provável insignificância, até ao dia em que foi aberta
e se descobriu que encerrava o coração de um gigante. Esse caixa existe em
todas as igrejas católicas, e damos-lhe o nome de confessionário. Alguns
ignoram-na, ou escarnecem-na; mas a verdade é que nela se contém o Sagrado
Coração de Jesus que perdoa aos pecadores, por meio da mão do sacerdote que se
ergue, tal como Ele perdoou, quando as Suas mãos se ergueram e foram pregadas
nos braços da Cruz.
Na realidade, existe apenas o perdão de
Deus. A exclamação “Perdoai-lhes”, foi proferida uma vez – num ato divino e
eterno, com o qual a humanidade entrou em contato através dos tempos. Assim
como não podemos ouvir as melodias e palavras que pairam no ar, a não ser que
liguemos os rádio-receptores, também as nossas almas só podem sentir a alegria
eterna da divina exclamação “Perdoai-lhes”, acorrendo ao confessionário, onde
nos será dado ouvir a divina palavra soltada do alto da Cruz.
Deus deseja que, em vez de negar a culpa, o espírito dos nossos dias a
admita, olhe para a Cruz, em busca do perdão; Deus quer que as consciências
desassossegadas, que não podem encarar a luz e receiam as trevas, procurem
alívio, não no domínio da medicina, mas sim na Divina Justiça.
Aqueles cujos espíritos estão imersos nas
sombras, devem recorrer à confissão, único meio de expurgar as suas culpas. Em
vez de enxugar as suas lágrimas em silêncio, os pobres mortais devem procurar a
mão que lhes enxugue o pranto e os absolva. A maior tragédia da vida humana não
é, precisamente, aquilo que às almas acontece, mas sim aquilo que lhes falta.E haverá maior tragédia do que a falta de paz, provocada pelo estado de pecado, cuja absolvição se não procura?
A confissão, proferida aos pés do altar, é
uma declaração da nossa ausência de merecimento: o “Confiteor” da Cruz é a
nossa esperança de perdão e absolvição. As feridas do Salvador foram terríveis;
a pior de todas, porém, será aquela que for infligida pelas nossas culpas.
O “Confiteor” pode salvar-nos, pois,
quando o pronunciamos, admitimos que carecemos de perdão, e muito mais do que
podemos supor.
Conta-se que certa religiosa, estando um
dia a limpar do pó uma pequena imagem do Salvador, a deixou cair. Apanhou-a,
intacta, beijou-a e colocou-a no seu lugar, dizendo: “Se não tivésseis caído, não teríeis recebido este ósculo”. Penso, a propósito, se Deus Nosso Senhor seria para nós o que é, se jamais tivéssemos pecado, pois, se assim fosse, não poderíamos chamar-Lhe “Salvador”.
PS. Todas as intervenções (destaque de cor, negrito ou sublinhado) são da minha inciativa (FN).
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