Estamos iniciando as postagens (capítulo, por capítulo) sobre a relação da Santa Missa com o Calvário, de autoria de Fulton Sheen, apresentado nas postagens anteriores.
O Calvário e a Missa
Arcebispo Fulton J. Sheen, PH. D., D.D;
Tradução de Marta de Mesquita da Câmara, Livraria Fiqueirinhas, Porto.
REFLEXÕES
SOBRE O CALVÁRIO E A SANTA MISSA
"O monte Calvário é o monte dos amantes." (São Francisco de Sales)
ÍNDICE
Introdução
1ª Parte: A Confissão
2ª Parte: O Ofertório
3ª Parte: Sanctus
4ª Parte: A Consagração
5ª Parte: A Comunhão
6ª Parte: Ite, Missa est
7ª Parte: O Último Evangelho
PRÓLOGO
Há certas coisas na vida que são demasiado
belas para serem esquecidas como, por exemplo, o amor de mãe.
O retrato daquela que nos deu o ser é para
cada um de nós uma espécie de tesouro.
O amor dos soldados que sacrificaram as
suas vidas pelo seu país é também demasiadamente belo para que o deixemos cair
no olvido e, por isso, prestamos homenagem à sua memória. A maior bênção, porém,
de quantos vieram ao mundo, foi, certamente, a visita do Filho de Deus, sob a
forma humana. À Sua vida, superior a todas as vidas, é demasiadamente bela para
ser esquecida, e é por isso que exaltamos a divindade das Suas palavras na
Sagrada Escritura, e a caridade dos Seus feitos nas nossas ações de cada dia.
Infelizmente, algumas almas limitam-se
apenas a estas lembranças quando, na verdade, por muito importantes que sejam
essas palavras e ações, não são a maior característica do Divino Salvador.
O ato mais sublime da história de Cristo
foi a Sua Morte.
A morte é sempre importante porque sela um
destino. Qualquer homem moribundo representa um cenáculo, e este é sempre um
lugar sagrado. A literatura do passado deu especial relevo às emoções que
rodeiam a morte, e é essa a razão pela qual ela nunca passou de moda. De todas
as mortes registradas no mundo dos homens, nenhuma, no entanto, foi tão
importante como a morte de Cristo.
Todo aquele que nasceu veio ao mundo para morrer.
A morte foi um triste ponto final para a
vida de Sócrates, mas foi uma coroa para a vida de Cristo. Ele próprio nos
disse que veio “para dar a Sua vida pela
redenção de muitos”. Ninguém poderia tirar-Lha, mas Ele podia dá-la
voluntariamente.
Se, portanto, a morte foi o principal momento para o qual Cristo
viveu, ela foi também a única coisa pela qual Ele quis ser lembrado. Jesus não pediu aos homens que registrassem as Suas
palavras numa Escritura, nem tão pouco que a Sua bondade para com os pobres
ficasse gravada na história; mas pediu que os homens recordassem a Sua morte.
Para que essa memória não fosse entregue ao acaso das narrativas humanas, Ele
próprio instituiu a maneira como devia ser lembrada.
Essa memória foi instituída na noite
anterior à Sua morte e, desde então, se chamou “A Última Ceia”. Tomando o pão
nas Suas mãos, Jesus disse: “este é o Meu Corpo que se dá por vós; fazei isto
em memória de Mim. Tomou também depois, da mesma maneira, o cálice, dizendo:
“Este é o cálice do Novo Testamento em Meu Sangue que será derramado por vós
(S. Lucas 22,19-20).
E, assim, num símbolo incruento da separação do Sangue e do Corpo,
pela consagração do Pão e do Vinho, Cristo oferece-Se à vista de Deus e dos
homens, e representou a Sua morte que devia ocorrer às três horas da tarde do
dia seguinte. Ele oferecia-Se para ser imolado como vítima, e para que os
homens nunca esquecessem que jamais homem algum dera maior prova de amor do que
Aquele que renunciava à vida, em favor dos Seus amigos, e deu à Igreja esta
ordem divina: “Fazei isto em memória de Mim”.
No dia seguinte, Jesus realizou em toda a
plenitude a cerimônia simbólica da véspera, pois foi crucificado entre dois
ladrões; e o Seu sangue foi derramado pela redenção do mundo.
A Igreja que Cristo fundou, não só preservou a palavra que Ele
proferiu como ainda o ato que praticou, no qual nós recordamos a Sua morte na
Cruz, e que é o Sacrifício da Missa – memória da Última Ceia e prefiguração da
Paixão de Jesus. Por esta razão, a Missa é, para
nós, o ato culminante da amizade cristã.
O púlpito, onde as palavras de Jesus são
repetidas, não nos une a Ele; o coro, no qual os suaves sentimentos são
cantados, não nos aproxima tanto da Sua Cruz. Um templo sem altar de sacrifício
não existiu entre os próprios povos primitivos, e nada significa entre os
cristãos.
Na Igreja Católica é, pois, o altar, e
não o púlpito, ou o coro, ou o órgão, que representa o centro de amizade,
pois é ali que se renova a memória da Paixão.
O valor do ato não depende daquele que o
celebra, mas sim e apenas do Sumo Sacerdote
e Vítima, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ali estamos unidos com Ele, a despeito da nossa insignificância; de
certa maneira, perdemos a nossa individualidade, durante aquele espaço de
tempo; unimos o nosso espírito, a nossa vontade, o nosso corpo, a nossa alma e
o nosso coração tão intimamente com Jesus que o Pai Celeste não é a nossa
imperfeição que vê, pois contempla-nos através de Aquele que é o Seu Filho
Bem-Amado, no qual Ele pôs toda a Sua complacência.
A Missa é o maior acontecimento da história da
humanidade: o único Ato sagrado que afasta a ira de Deus de um mundo
pecador, porque eleva a Cruz entre a terra e o Céu, renovando assim aquele
decisivo momento em que a nossa triste e trágica humanidade viu desenrolar-se
na sua frente o caminho para a plenitude da vida sobrenatural.
O que é importante acentuar é a atitude
mental que cada um de nós deve adotar perante a Missa, não encarando o Santo
Sacrifício da Cruz como um acontecimento ocorrido há mil e novecentos anos, mas
sim como um fato acontecido em todas e cada uma das ocasiões em que a ele
assistimos.
Esse acontecimento não pertence ao
passado, tal como a Declaração do Dia da Independência, pois é um drama
permanente, sobre o qual o pano ainda não desceu.
Não, não pensemos que o fato ocorreu há muito e não nos diz, portanto,
mais respeito do que qualquer outro fato ocorrido no passado.
O CALVÁRIO PERTENCE A TODOS OS TEMPOS E A TODOS OS LUGARES
E foi por isso que Jesus, quando subiu ao
alto do Calvário, estava praticamente despojado das Suas vestes.
Ele poderia ter salvo o mundo sem ter
revestido os atavios de um mundo transitório.
A Sua túnica pertencia ao tempo, e
localizava, fixava Jesus como um habitante da Galiléia.
Agora, porém, despojado das Suas vestes e
completamente desapossado das coisas terrenas, Ele não pertencia à Galiléia,
nem a qualquer província romana, mas sim ao mundo. Jesus transformara-Se
no pobre homem universal, que não pertencia a qualquer povo, mas sim a todos os
povos.
Para exprimir com maior amplitude a
universalidade da Redenção, a cruz foi erguida nas encruzilhadas da
civilização, num ponto central, entre três grandes culturas – Jerusalém, Roma e
Atenas, em nome das quais Ele fora crucificado. A cruz foi, assim, erguida
perante os olhos dos homens para chamar a atenção do negligente, fazer apelo ao
desleixado, e despertar as consciências adormecidas. Foi o único fato
irrefutável ao quais as culturas e civilizações do Seu tempo não puderam
resistir, e é também nos nossos tempos o único fato irrefutável que não podemos
deixar de aceitar.
Os personagens que tomaram parte do drama
da cruz foram os símbolos de todos aqueles que crucificaram.
Nós
estivemos lá, nas pessoas dos nossos representantes.
Os que atualmente fazemos ao Cristo
Místico fizeram-no eles ao Cristo histórico, em nosso nome. Se temos inveja dos
bons, fomos representados pelos Escribas e Fariseus.
Se hesitamos em abraçar a Verdade e o Amor
divino, receando perder algumas vantagens temporais, estivemos lá, na pessoa de
Pilatos. Se a nossa confiança é baseada na força material e procuramos
conquistar o mundo por meio dela, em vez de o fazermos através da força
espiritual, fomos representados por Herodes. E, assim, a história continua, e
implica em si todos os pecados característicos do mundo, pecados que nos cegam
para o fato de que Jesus é Deus. Havia, portanto, uma irrefutável certeza na
crucifixão. Os homens que tinham a liberdade para pecar, também a tinham para
crucificar.
Enquanto o pecado existir no mundo, a
crucifixão é uma realidade. Assim o comentou o poeta: “Eu vi passar o Filho de
Deus. Coroado de espinhos...
E perguntei: Pois não está tudo consumado?
Senhor, as amarguras não estão esgotadas? Jesus volveu para mim um olhar terrível. E disse me: Pois não compreendeste? Toda a minha alma é um calvário, Todo o pecado é uma cruz.”
Nós tivemos lá durante a crucifixão. O
drama estava já completo, em tudo quanto dizia respeito a Cristo, mas não
estava ainda patenteado, em relação a todos os homens, a todos os lugares e a
todos os tempos.
Se a bobina em volta da qual está enrolado o filme tivesse consciência
própria, ela conheceria o argumento de um drama, do princípio até ao fim, ao
passo que o espetáculo não poderia, de fato, conhecê-lo, senão depois de o ver
completamente reproduzido na tela. Da mesma maneira, Nosso Senhor, pregado na
Cruz, viu a Sua eterna vontade, todo o drama da história, a história de cada
alma e a hora em que cada uma delas reagiria perante a Sua crucifixão; embora,
porém, Ele visse tudo, nós não poderíamos saber como reagiríamos perante a
Cruz, antes que as nossas vidas tivessem sido projetadas sobre a tela do tempo.
Nós não tínhamos a consciência de havermos
estado presentes no Calvário, naquele dia, mas Jesus tinha a consciência da
nossa presença. Hoje, todavia, sabemos qual o papel que desempenhamos no
cenário do Calvário, pela maneira como vivemos e agimos no cenário do Século
Vinte.
E é nisto que reside a atualidade do
Calvário, a razão pela qual a cruz é a crise, e o motivo pelo qual, de certa
maneira, as chagas ainda estão abertas, a dor divinizada, e as gotas de sangue,
à maneira de estrelas, caem ainda sobre as nossas almas.
Não é possível fugirmos à cruz, a não ser
que façamos o que fizeram os Fariseus ou vendendo Cristo, como o fez Judas, ou
crucificando-O, tal como fizeram os seus carrascos. Todos nós vemos a Cruz,
quer para abraçá-la, para nos salvarmos, quer fugindo dela, para nos perdermos.
Como é, porém, que a cruz se torne
visível? Como
se perpetuou e renovou o cenário do Calvário?
No Santo Sacrifício da Missa, porque, quer
no Calvário, quer durante o Santo Sacrifício, o Sacerdote e a Vítima são os
mesmos. As sete palavras derradeiras são idênticas às sete partes da Missa.
Assim como as sete notas musicais comportam uma infinita variedade de harmonias
e combinações, também na Cruz há sete notas divinas que o Cristo moribundo fez
soar através dos séculos e que, no seu conjunto, constituem a sublime melodia
da Redenção do mundo.
Cada palavra é uma parte da Missa.
A primeira, "Perdoai-lhes", representa o Confiteor; a
segunda, "Hoje estarás comigo no paraíso", é o Ofertório; a terceira,
"Mulher, eis aqui o teu filho", é o Sanctus; a quarta, "Por que
me abandonaste?", é a Consagração; a quinta. "Tenho Sede", é a
Santa Comunhão; a sexta, "Tudo está consumado", é o "Ite missa
est"; a sétima, "Pai, nas Vossas mãos entrego o Meu espírito", é
o Último Evangelho.
Representai, pois, na vossa ideia, o Sumo
Sacerdote, Cristo, saindo da sacristia do Céu para o altar do Calvário. Ele já
se revestiu da nossa natureza humana, colocou no braço o manípulo do nosso
sofrimento, a estola do sacerdote, a casula da Cruz. O Calvário é a Sua
Catedral; a rocha do Calvário é a pedra do altar; o rubor do sol poente a
lâmpada do Santuário; Maria e João são as imagens vivas dos altares laterais; a
Hóstia é o Corpo de Jesus; o vinho o Seu sangue. Ele está de pé, como
sacerdote, e prostrado, como vítima.
A Sua Missa vai começar...
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