quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Eucaristia e Calvário. Fulton Sh. Sanctus. "Mulher, eis aqui o teu filho..."


SANCTUS    (3a Parte do livro: "O Calvário e a Missa" de Fulton J.Sheen)

Mulher, eis aqui o teu filho... Eis aqui a tua mãe (João 19,26-27)
Cinco dias antes, Jesus fizera a Sua entrada triunfal em Jerusalém. Aos Seus ouvidos soavam gritos de triunfo; o chão que os Seus pés pisaram foi juncado de folhas de palmeira, e nos ares ecoaram aclamações ao filho de David, e louvores ao Sagrado Filho de Israel. Àqueles que se mantiveram silenciosos durante as demonstrações feitas em Sua honra, Nosso Senhor lembrou que se as suas vozes não se faziam ouvir, as próprias pedras falariam por eles. Esse foi o dia de nascimento das catedrais góticas.
Eles não conheciam a verdadeira razão pela qual Lhe chamavam Sagrado, nem tampouco compreendiam o motivo que levava Jesus a aceitar o tributo dos seus louvores. Eles pensavam que aclamavam uma espécie de rei da terra. Jesus aceitou essas demonstrações porque ia ser o Rei de um império espiritual. Ele aceitou os seus tributos, as suas aclamações e exclamações de louvor porque caminhava, como uma vítima, ao encontro da Sua Cruz.
Toda a vítima deve ser sagrada – Sanctus, Sanctus, Sanctus.

Cinco dias depois, verificou-se o “Sanctus” da Missa do Calvário; mas naquele “Sanctus” da Sua Missa, Jesus dirigiu-Se àqueles que já eram santos – a Sua querida Mãe e ao Seu bem-amado discípulo João. Palavras tocantes foram essas: “Mulher eis aqui o teu filho... Eis aqui a tua Mãe!”.
Falando agora aqueles que já eram santos, Jesus não carecia da divina intercessão, pois Ele era o Filho de Deus. Nós, todavia, precisamos de santidade, pois cada vítima da Missa deve ser santificada, impoluta.

Como podemos, porém, ser os santos participantes do Sacrifício da Missa?

Segundo a própria resposta de Jesus, consegui-lo-emos colocando-nos sob a proteção da Sua Mãe Santíssima. Ele dirige-Se à Igreja e a todos os seus membros, representados na pessoa de João, e diz a cada um de nós: “Eis a tua mãe”.
Por que foi, porém, que Jesus se dirigiu a Maria, chamando-lhe Mulher, em vez de Mãe? É que ela era agora a Mãe de todos os cristãos, e a Sua missão era universal – Mãe do Corpo Místico da Igreja, Mãe de todos nós.
Há um tremendo mistério oculto naquela palavra “Mulher”. Essa foi, realmente, a última lição de renúncia que Jesus deu a Maria, e a primeira lição de um novo laço.
Nosso Senhor alienara gradualmente a Sua afeição por Sua Mãe, não porque a amasse menos, mas sim e apenas porque ela tinha agora mais a quem amar.

Maria desprendia-se da maternidade da carne, para se prender mais à grande maternidade do espírito. Daí, o emprego da palavra "Mulher". Ela havia de fazer de nós outros tantos Cristos, porque fora ela quem criara o Filho de Deus. Só Maria podia transformar-nos em criaturas santificadas, dignas de pronunciar o Sanctus, Sanctus, Sanctus da Missa do Calvário.
A história de preparação para o papel de Mãe do Corpo Místico de Cristo, está representada nas três cenas da vida do Seu Divino Filho, as três lições reveladas no drama do Calvário, principalmente aquela em que Maria foi chamada a ser, não apenas a Mãe de Deus, mas também a mãe dos homens, não apenas a mãe daqueles que já eram santos, mas também daqueles que pediam para ser santificados.

A primeira teve lugar no Templo, onde Maria e José encontraram Jesus, depois de O terem procurado durante três dias. Sua amada Mãe disse-Lhe que os Seus corações tinham sofrido deveras durante aquela angustiosa procura, ao que Jesus respondeu: “Não sabes que devo ocupar-Me das coisas de Meu Pai?”
Nestas palavras, Jesus queria significar: “Tenho outra missão, além do trabalho da oficina de carpinteiro. Meu Pai mandou-Me a este mundo para a suprema tarefa da Redenção, por meio da qual todos os filhos dos homens serão filhos adotivos do Meu Pai celestial, tornando-se, assim, membros da grande irmandade de Cristo, o Seu Filho”.
Quem poderá dizer quanta luz estas palavras derramaram sobre Maria? Também não sabemos se Ela compreendeu então que a Paternidade de Deus havia de confiar-Lhe o título de mãe dos homens.

Dezoito anos depois, na festa das bodas de Cana, Maria teve, porém, pleno conhecimento de tal missão.
Como é consolador pensarmos que Jesus, pregando a penitência, e insistindo para que tomássemos a nossa cruz diariamente e O seguíssemos, iniciasse a Sua vida pública, assistindo a uma boda!
Que maravilha compreensão dos corações humanos!
Quando, no decorrer do banquete, o vinho se acabou, Maria, sempre solicita para com aquele que A rodeavam, foi a primeira a reparar e a procurar o remédio para aquela falta. Ela limitou a dizer a Nosso Senhor: “Não tem vinho”; e Ele respondeu: “Mulher, e o que importa isso, a mim ou a ti?” Jesus não A tratou por Mãe, mas sim por Mulher, o mesmo título que Lhe dera três anos antes. 
Jesus queria dizer-Lhe: “Queres que faça algo que Me pertence, como Filho de Deus; pedes-Me que faça um milagre que só Deus pode fazer; pede-Me que exerça a minha divindade que se relaciona com a espécie humana, principalmente como seu redentor.
Quanto a divindade operar pela salvação do mundo, Vós serás não apenas minha mãe, mas também a mãe da humanidade redimida. A Vossa maternidade física exercer-se-á no mundo mais vasto da maternidade espiritual, e é essa a razão pela qual Vos chamo mulher”. Depois, para provar o poder da intercessão de Maria no Seu papel de mãe universal, Ele ordenou que enchessem as brilhas de água e operou-se o primeiro milagre: “As águas, conscientes, viram o seu Deus e coraram”.

A terceira cena ocorreu dois anos depois. Um dia, enquanto Jesus pregava, alguém O interrompeu, para dizer: “Vossa mãe não cessa de procurar-Vos”, ao que Jesus respondeu: “Quem é minha mãe?” E, estendendo as mãos para os Seus discípulos, disse: “Contemplai minha mãe e meus irmãos, pois todo aquele que fizer a vontade de Meu Pai que está no céu, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. O significado destas palavras é irrefutável. Há uma maternidade espiritual e parentescos que não são carnais, nem laços de sangue, mas sim ligações do espírito que nos unem ao Reino Supremo, à Irmandade de Cristo.

Estas três cenas tiveram o seu clima junto à Cruz onde Maria recebeu o título de “Mulher”. Foi essa a segunda Anunciação. O anjo dissera-Lhe primeiro: “Ave Maria”. Seu Filho falou-Lhe em segundo lugar, tratando-A por “Mulher”, o que não significa que Ela deixava se ser Sua mãe, porque havia de ser sempre a Mãe de Deus. A Sua maternidade havia, porém, de expandir-se, espiritualizar-se, tornar-se universal, pois, naquele momento, Maria ficou sendo Nossa Mãe.
Nosso Senhor criou o laço onde, por natureza, ele não existia, e que só Ele podia criar.
E como foi que Maria Se tornou Mãe dos homens? Tornando-se, não somente mãe, mas também esposa de Cristo. Ele era o novo Adão e Ela a nova Eva. E, tal como Adão e Eva, tiveram a sua progênie natural, que somos nós.

Também Cristo e Sua Mãe deram origem, na Cruz, à Sua descendência espiritual, que somos nós – os filhos de Maria, ou membros do Corpo Místico de Cristo.
Maria teve o Seu primogênito em Belém. Note-se que São Lucas chama a Nosso Senhor primogênito, não porque Maria tivesse outros filhos, segundo a carne, pois a Sua segunda maternidade seria de caráter espiritual.
No momento em que Nosso Senhor Lhe disse “Mulher”, Ela tornou-se, de certa maneira, esposa de Cristo e concebeu em dor o Seu primeiro filho espiritual, cujo nome foi João.

O Seu segundo filho não sabemos quem foi. É possível que fosse Pedro, ou André. De qualquer maneira, todos nós representamos os milionésimos dos milionésimos descendentes daquela Mulher que permaneceu aos pés da Cruz. A troca foi realmente desvantajosa para Aquela que recebeu o filho de Zebedeu, em vez do Filho de Deus.
A nossa vantagem foi, porém, maior, pois, ao passo que Maria não adquiria mais do que filhos insubmissos e tantas vezes rebeldes, nós obtínhamos a mais adorável das mães que existem no mundo - A Mãe de Jesus.

Nós somos filhos de Maria. Literalmente, filhos. Ela é nossa mãe, não por título de ficção, nem de cortesia; ela é nossa mãe porque sofreu naquele momento memorável, e por todos nós, as dores da maternidade. E porque é que Deus quis que ela fosse nossa mãe? Porque Ele sabia que, sem a sua proteção e auxílio, jamais seríamos santificados. Jesus veio até nós por intermédio da pureza de Maria, e só através da pureza de Maria conseguiremos chegar até junto d'Ele.

Cada vítima que sobe ao altar, sob as espécies de pão e de vinho, deve ter proferido o Confiteor e transformar-se em vítima santificada. Sem Maria, não há, porém, santificação.
Note-se que quando tal palavra foi dirigida a Maria, estava prostrada junto à Cruz, uma outra mulher. Já repararam que, praticamente, todas as imagens tradicionais da Crucifixão representam sempre Madalena ajoelhada aos pés da Cruz?
Nunca vimos, no entanto, uma imagem de Maria prostrada. João estava presente e refere no seu Evangelho que ela estava de pé. E por que? Porque era a posição que lhe competia no papel que ali desempenhava, em relação a nós. Maria, a nossa Mãe.
Se Maria estivesse prostrada por terra, naquela hora, tal como Madalena, se ela tivesse sequer chorado, a sua mágoa teria tido um lenitivo. As dores que não desatam, esmagam o coração. Essa dor foi parte do nosso preço de compra, pago pela nossa co-Redentora, Maria, a Mãe de Deus!

Nosso Senhor deixou-a ficar sobre a terra quando Ele subiu aos céus, para que ela fosse a mãe da Igreja, a nossa mãe. A Igreja, infante ainda, carecia do amparo materno, tal como Jesus quando era menino. E foi assim que Maria permaneceu sobre a terra, até que os seus filhos, a sua família se criassem e desenvolvessem. E foi essa a razão porque a encontramos orando com os Apóstolos, enquanto aguardavam a vinda do Espírito Santo.
Mais tarde, foi para o céu, coroada de Rainha dos Anjos e dos Santos, para assistir a outra boda de Caná e interceder por nós, junto ao Salvador, pois nós éramos seus filhos, irmãos de Cristo, e filhos do Pai Celestial.
Virgem Mãe! Que formosa conjugação de virgindade e maternidade, em que a segunda supre a deficiência da primeira.

À virgindade falta qualquer coisa, pois há nela algo de incompleto, que necessita de ser preenchido, uma faculdade invulgar.
A maternidade, isolada, perde qualquer coisa: ela representa uma rendição, uma florescência incompleta, uma frutescência inacabada.
Oh! Foi um milagre divino, essa conjunção, na qual à virgindade nada faltava e a maternidade nada perdeu! Encontramos ambas as coisas em Maria – Virgindade e Maternidade - a Virgem que recebeu o Espírito Santo, em Belém e no Pentecostes; mãe, por intermédio dos Seus milhões de descendentes, desde Jesus até nós.

A adoração que prestamos a Maria e aquela que prestamos a Nosso Senhor são distintas, pois veneramos nossa mãe e adoramos o Salvador. A Jesus pedimos aquelas graças que só Deus pode conceder: mercê, graça, perdão.
A Maria, suplicamos que interceda por nós, junto d’Ele, especialmente na hora da nossa morte.

Sabemos que Nosso Senhor escuta e atende os apelos de Sua Mãe Santíssima. A nenhum outro santo podemos falar como uma criancinha fala a sua mãe, pois nenhuma outra virgem, ou mãe, ou mártir, ou confessor jamais sofreu tanto por nós como ela sofreu. Ninguém jamais firmou tão solidamente os nossos direitos à proteção e ao amor.

Maria é a medianeira de todas as graças que Jesus pode dispensar-nos, pois foi por intermédio de Maria que Jesus veio até nós. Desejamos ser santificados, mas sabemos que tal só é possível por meio de Maria, pois ela foi a dádiva que Jesus nos ofereceu no Sanctus da Sua Cruz.
Não há mulher que possa esquecer o filho das suas entranhas. Maria não pode, pois, certamente, esquecer-nos. É precisamente isso que nós sentimos no íntimo dos nossos corações. Em todas as circunstâncias da nossa vida, nossa Mãe Santíssima vela por nós, pois ela vê em cada um dos seus filhos a criança inocente da Primeira Comunhão, o pecador penitente, encaminhando-se para a Cruz, o coração despedaçado, suplicando que a água da vida dissipada se transforme no vinho do amor de Deus.
Em todas essas circunstâncias ressoam aos ouvidos de Maria as palavras pronunciadas do alto da Cruz, sobre o Calvário: "Mulher, eis o Vosso filho!"

PS. Todas as intervenções (destaque de cor, negrito ou sublinhado) são da minha inciativa (FN).


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