O
ÚLTIMO EVANGELHO (A última Parte do livro:
"O Calvário e a Missa" de Fulton J.Sheen)
“Pai, nas vossas mãos entrego o meu espírito”. (Lc 23,16)
O último Evangelho da Missa é um formoso
paradoxo que nos faz regressar ao princípio, pois abre com as palavras “no
princípio”...
Também na vida humana o fim é o princípio
de outra vida. A última palavra de Nosso Senhor foi realmente, o Seu último
evangelho: “Pai nas vossas mãos entrego o meu espírito”.
Tal como no evangelho da Missa, também Ele
regressa ao Pai de onde veio. Jesus completara a Sua obra. A Sua missa começara
com a palavra Pai, e foi com essa mesma palavra que Ele terminou.
“Todas as coisas perfeitas, diziam os Gregos,
movem-se em sentido circular”. Tal como os grandes planetas, que só após um
longo espaço de tempo completam as suas órbitas e regressam novamente ao seu
ponto de partida, como que para saudarem Aquele que os colocou no seu caminho,
também o Verbo Encarnado, que veio ao mundo para dizer a Sua Missa, ao
completar a Sua Missa na Terra regressou para junto de Seu Pai Celestial que O
enviara para a jornada da Redenção do mundo.
O Filho Pródigo está prestes a regressar à
casa de Seu Pai, pois Jesus é também o Filho Pródigo que durante tinta e três
anos deixou a casa de Seu Pai e a bem-aventurança do Céu e veio ao país
estrangeiro que é a Terra-pois é estrangeiro todo o país distante da casa
paterna. Ele despendeu a substância da Sua Verdade na infabilidade da Sua
Igreja, e a substância do Seu Poder na autoridade que deu aos Seus Apóstolos e
aos Seus sucessores.
Ele despendeu a substância da Sua Vida na
Redenção e no Sacramento. Quando esgotou tudo até a última gota, Ele volveu o
olhar para a casa de Seu Pai e, num grito ressonante, lançou o Seu Espírito
para os braços de Seu Pai, não como alguém que mergulha na escuridão, mas sim
como quem sabe que caminha para onde será bem vindo.
Naquela última palavra e naquele último
evangelho que O fez regressar ao Princípio de todos os princípios, e
principalmente a Seu Pai, revelam-se a história e o ritmo da vida. O fim de
todas as coisas regressa, de qualquer maneira, ao seu princípio.
Tal como a Filho regressa à casa de Seu Pai, e como o corpo regressa
ao pó de onde nasceu, também a alma do homem, que veio de Deus, deve algum dia
voltar para junto de Deus. A morte não é o fim de todas as coisas.
A
lousa fria que cai sobre a sepultura não marca o fim da história de um homem. A maneira como ele viveu a sua vida determina as condições da
sua vida futura. Se ele procura Deus durante a existência, a morte será
como que a abertura de uma gaiola. Ele poderá então, servindo-se das suas asas,
voar para os braços do Bem-Amado.
Se ele, durante a vida, se afastou de Deus, a morte ser-lhe-á como que
o início de um eterno afastamento da verdadeira Vida, da Verdade e do Amor –
será o inferno.
Junto ao trono de Deus, de onde viemos
para o nosso noviciado da Terra. Deveremos regressar algum dia para prestar
contas do uso que fizemos da nossa existência. Não haverá um único ser humano
que, ao chegar à última folha do livro da sua existência, não encontre ali
traçado o seu destino, segundo aceitou ou rejeitou a divina dádiva da Redenção.
Aceitando-a, ou rejeitando-a, o homem terá
assinado, por sua própria mão, a sentença do seu eterno destino. Tal como na
caixa registradora ficam apontadas as importâncias para serem conferidas no
final do nosso dia de negócio, também os nossos pensamentos e obras são
registrados para o Julgamento Final.
Se, porém, vivemos sempre à sombra da
Cruz, a morte não será o fim, mas sim o princípio da vida eterna. Em vez de uma
separação, aguardar-nos-á uma reunião; em vez de uma partida, será uma chegada;
em vez de encontrarmos um fim, esperar-nos-á um último evangelho – um regresso
ao princípio.
Tal como a voz do destino murmura, “Deves abandonar a Terra”, a voz do
Pai diz: “Meu Filho, vem para Mim”!
Fomos enviados a este mundo como filhos de
Deus, para assistirmos ao Santo Sacrifício da Missa. Compete-nos permanecer aos
pés da Cruz e, como àqueles que ali permaneceram desde o primeiro dia,
ser-nos-á pedida a declaração da nossa lealdade.
Deus deu-nos o grão e a cepa da vida e, à
semelhança do homem que, segundo o Evangelho, recebeu talentos, também nós
devemos apresentar a retribuição das graças divinas que tivermos recebido.
A vida que Deus nos concedeu representa o
grão e as cepas, e é nosso dever consagrá-los, restituí-los a Deus, sob as formas
de pão e de vinho, transubstanciados. As nossas mãos devem apresentar o fruto
das colheitas, quando chegar o fim da nossa peregrinação na terra.
É essa a razão pela qual o Calvário se ergue no meio de todos nós, e
nos encontramos sobre a sua montanha sagrada.
Não nascemos para ser simples
espectadores, ou para lançarmos os dados, como fizeram os algozes de outrora,
mas sim para sermos participantes do mistério da Cruz.
A maneira de reproduzir o quadro do Último
Julgamento, durante a Santa Missa, será a evocação da forma como o Pai recebeu
e saudou o Seu Filho, olhando para as Suas mãos. Nelas se evidenciavam os
vestígios do trabalho, as calosidades da Redenção e as cicatrizes da Salvação.
Também nós, terminada a nossa peregrinação
na Terra e no regresso ao princípio, veremos que Deus olha as nossas mãos.
Se
durante a nossa vida tivermos tocado as mãos do Seu Divino Filho, as nossas
mãos apresentarão as marcas dos pregos; se tivermos percorrido a senda que
conduz à eterna glória, através das veredas tortuosas e difíceis do Calvário,
também os nossos pés apresentarão os mesmos ferimentos; se os nossos corações
bateram em uníssono com o de Jesus, também eles ostentarão a chaga do lado,
aberta pela lança que trespassou o Coração do Salvador.
Abençoados são, pois todos aqueles que
levam nas suas mãos, marcadas pelos cravos da Cruz, o pão e o vinho das suas
vidas consagradas, marcadas pelo signo e pelo selo do Amor redentor.
Ai, porém, daqueles que se afastaram do
Calvário e que apresentarão as mãos brancas e sem cicatrizes!
Quando a vida se acaba, e a Terra se desvanece como um sonho, quando a
luz da eternidade entra a jorros nas almas, com todo o seu esplendor, os justos
podem com uma fé humilde, mas triunfante, repetir, como num eco, a última
palavra de Cristo: “Pai, nas Vossas mãos entrego o meu espírito”!
E, assim, termina a Missa de Cristo.
O Confiteor foi a Sua oração ao
Pai, para que nos perdoasse aos nossos pecados; o Ofertório foi a apresentação
das pequenas hóstias, sobre a patena da Cruz; o Sanctus foi a encomendação das
nossas almas a Maria, a Rainha de todos os Santos; a Consagração representou a
separação do corpo do Salvador e a aparente separação de divindade e
humanidade; a Comunhão foi a Sua sede pelas nossas almas; o Ite Missa est foi o remate da obra da
salvação; o último evangelho foi o regresso de Jesus a Seu Pai.
E, agora que a Missa está dita, que Jesus
encomendou o Seu espírito ao Pai Celestial, Ele prepara-Se para restituir o Seu
corpo a Sua Mãe Santíssima, aos pés da Cruz.
Também esta última fase será um regresso
ao princípio da Sua vida terrestre – a Belém, ao tempo em que Se aconchegava no
regaço de Sua Mãe, retomando novamente o Seu lugar.
A Terra tinha sido cruel para Ele; os Seus pés vaguearam pelos
caminhos da ovelha tresmalhada, e nós trespassamo-los com os cravos de ferro;
as Suas mãos ofereceram nos o pão da Vida Eterna, e nós pregamo-las nos braços
da Cruz; os Seus lábios ensinaram-nos a Verdade, e nós oferecemos à Sua sede o
fel e o vinagre. Ele veio para nos dar a Vida, e nós demo-Lhes a morte; mas
esse foi o nosso erro fatal, pois não Lhe roubamos realmente a vida, e apenas
tentamos fazê-lo. Ele deixou-Se vencer por Sua própria vontade.
Nenhum dos Evangelhos diz, de fato, que,
Ele morreu, mas sim, “Ele rendeu o espírito”.
Foi, pois, um ato voluntário, uma renúncia espontânea da própria vida.
Não foi a morte que se aproximou d’Ele.
Foi Ele quem Se aproximou da morte. E foi por essa razão que o Salvador, à
aproximação do fim, ordenou que os portais da morte se Lhe abrissem, na presença
de Seu Pai.
O cálice vai-se gradualmente enchendo com
o vinho rubro e precioso da salvação. As rochas da terra abrem as suas bocas
sequiosas, para bebê-lo, como se ela própria estivesse mais necessitada da
torrente da salvação do que os ressequidos corações dos homens.
A Terra estremeceu de horror porque os
homens tinham erigido sobre seu seio a Cruz de Deus. Madalena, arrependida, lá
estava, abraçada aos pés da Cruz; João, o sacerdote, cujo rosto é a imagem fiel
do próprio amor, escuta as pulsações do coração, cujos segredos aprendera a
amar.
Maria, absorta, pensa quanto o Calvário é diferente de Belém.
Trinta e três anos antes, Maria baixava o
seu doce olhar para a sagrada face de Jesus Menino. Em Belém o Céu contemplava
a face da Terra; agora, os papéis invertiam-se. É a Terra que ergue os olhos
para a face do Céu – um Céu marcado pelas cicatrizes da Terra.
Ele amava Maria, acima de todas as
criaturas da Terra, porque Ela era a Sua Mãe e a Mãe de todos nós. Ele viu-A,
logo que chegou a Terra, e viu-A ainda no momento derradeiro, antes de A
deixar. Os Seus olhos encontraram-se, resplandecentes de vida, trocando, entre
si, uma linguagem que só Eles entendiam.
No meio de um rapto de amor, uma cabeça
inclinou-se, um coração parou, outro coração despedaçou-se. Jesus entrega o Seu
espírito puro, sem mácula, nas mãos de Deus, por entre o ressoar das trombetas
da vitória eterna. E Maria, a Mãe que acaba de perder o Seu Filho, permanece
aos pés da Cruz. Jesus está morto. Maria ergue o Seu olhar para os olhos de
Jesus, vivos e claros ainda no Seu rosto imobilizado pela morte.
Sumo Sacerdote do Céu e da Terra, a Vossa
Missa está terminada! Deixa o altar da Cruz e encaminha-Vos para a Vossa
sacristia. Como Sumo Sacerdote, Vós vieste da sacristia do Céu, paramentado com
as vestes da humanidade, e o Vosso corpo e o Vosso sangue eram o pão e o vinho.
Agora, o Sacrifício está consumado. Fez-se
ouvir o toque da campainha da Consagração, e resta apenas o cálice esgotado e
enxuto. Entra na Vossa sacristia, despe as vestes da mortalidade, e enverga a
túnica branca da imortalidade.
Mostra as Vossas mãos, os Vossos pés e o
Vosso lado a Vosso Pai Celestial e diz: "Assim fui ferido na casa daqueles
que Me amaram".
Entra, Sumo Sacerdote, na Vossa sacristia
celestial e, quando os Vossos representantes na Terra erguerem a hóstia e o
cálice, mostrai-Vos ainda a Vosso Divino Pai, e intercede amorosamente por nós,
até a consumação dos séculos.
A Terra foi cruel para conVosco, mas Vós
serás extremamente misericordioso para com ela. A Terra Ergueu-Vos na Cruz, mas
agora Vós elevarás a terra por meio por meio da Cruz. Abre as portas da
celestial sacristia, ó Sumo Sacerdote! Vê que estamos agora à Vossa porta e não
cessamos de bater!
E o que Vos diremos nós a Vós, Maria? A
Vos que és a sacristia do Sumo Sacerdote, como já o foste em Belém, quando Ele
veio até junto de Vós, para trazer ao mundo o grão e a cepa? E foste-o também
na Cruz, onde Jesus Se transformou no Pão da Vida e no Vinho, por meio da
Crucificação.
Vós és também o Seu sacristão, agora que
Ele vem do altar da Cruz, trazendo apenas o Cálice enxuto do Seu sagrado corpo.
Quando esse cálice repousa no Vosso regaço é como se voltasses aos tempos de
Belém, porque Ele é Vosso, mais uma vez, O cálice só é, porém, o mesmo, na
aparência, pois o de Belém sofrera apenas a prova do fogo que o moldara, ao
passo que o da Paixão passara pelo duplo fogo do Gólgota e do Calvário.
Em Belém, Ele era branco, tal como viera
das mãos de Deus, Seu Pai: agora é da cor de sangue, tal como vem até nós.
Vós sois, porém, ainda a Mãe Imaculada
daqueles que ajoelham junto ao altar; fazei com que nos apresentemos ali na
maior pureza e assim nos conservemos, até ao dia em que entremos na Sacristia
Celestial do Reino dos Céus, onde Vós sereis a nossa eterna sacristia e Jesus o
nosso eterno Sacerdote.
E vós, amigos do Crucificado, o vosso Sumo
Sacerdote abandonou a Cruz, mas deixou nos o altar.
Na Cruz, Ele estava só, mas na Missa está
conosco.
Na Cruz, Ele sofreu no Seu corpo físico.
No altar, Ele sofre no Seu Corpo Místico, que somos nós.
Na Cruz, Ele era a única Hóstia; na Missa,
nós representamos pequenas hóstias, e Ele a Hóstia imensa, recebendo o Seu
Calvário por nosso intermédio.
Na Cruz, Ele era o Vinho; na Missa nós
somos a gota de água, unida com o vinho e consagrada com Ele.
Sob esse aspecto, Ele está ainda na Cruz,
rezando a Confissão conosco, perdoando-nos ainda, encomendando-nos ainda a
Maria, sequioso ainda por nós, encaminhando-nos ainda para junto de Seu Pai,
pois, enquanto o pecado existir na terra, a Cruz permanecerá!
"De dia ou de noite, Onde quer que o
silêncio me rodeie, Sou surpreendido por um grito Que vem do alto da Cruz.
A vez primeira que o ouvi, Parti à
procura...
E encontrei um homem nas agonias da
crucificação.
E disse-Lhe: "Vou despregar-Vos da
Cruz!"
E tentei arrancar os cravos dos Seus pés, Mas
Ele disse: "Deixa-os estar, porque eu não posso ser retirado, Enquanto
cada homem, cada mulher e cada criança Não vierem, juntos, retirar-me
daqui".
E eu volvi: "mas eu não posso ouvir Vosso
grito. O que devo fazer?"
E Ele replicou: "Vai, mundo fora, e
diz, a todo aquele que encontrares Que está um Homem pregado na Cruz!"
PS. Todas as intervenções (destaque de cor, negrito ou
sublinhado) são da minha inciativa (FN).