Matrimônio: celebração
da aliança ou dos sentimentos?
Depois de refletirmos sobre a vida sacramental e a vida em
pecado, quero te “pro-vocar”, meu Visitante, a uma reflexão sobre o matrimônio
e as suas vicissitudes. Alguns têm medo de casar, outros acham que “tem que
casar” a todo custo; uns exaltam o matrimônio outros alegam ser um “purgatório”...
O meu desejo é ajudar a descobrir a mais bela das vocações e a alertar, os que
seguirem este caminho, para os maus entendidos, expectativas fantasiosas e egoísticas,
em vista de evitar os dramas de separações.
Um “leigo”
discursando aos “competentes”?
Iniciando esta catequese-reflexão compreendo, que no mundo
em que se supervaloriza os “especialistas de tudo” e “tira chapéu” às
celebridades, alguém pode ter receio quanto a habilitação de um frade religioso
para pronunciar-se em questões do matrimônio e da família, que ele nem sequer
tem experimentado. Ora, não é necessário ser casado para opinar e orientar
nestas questões.
Será, que quem é casado, pelo próprio fato torna-se
conhecedor da vasta problemática que envolve matrimônios e famílias? Vai ter um
só conjugue (em certas situações mais) e uma família. Vai ter a sua própria,
única experiência, sendo que os demais casados terão as próprias experiências
diferentes da sua. Visto que cada pessoa é diferente, logo todos os matrimônios
e todas as famílias são diferentes. Neste caso, o “nosso casado” não poderá ter
pretensões de orientar os demais, simplesmente pelo fato de ser casado. Poderá,
sim, falar das suas experiências, das suas vitórias e dos seus fracassos.
Um padre, cura das almas que, além da sua formação
intelectual e espiritual, no seu dia-a-dia encontra-se constantemente com os
mais diversos problemas deste gênero, o suficiente conhece a matéria que
envolve a família e, como poucos, está apto para orientar e ensinar.
A “explosão” das crises
Desde que o mundo existe havia crises em todas as áreas de
vida. Porém, na vida moderna, parece que elas estão se multiplicando desordenadamente
e não se encontra mais nenhuma entidade que não fosse atingida, por algum tipo
de crise. Acima de tudo reina a crise de autoridade, que dificulta a busca de
soluções, pois para isto tem de haver a confiança.
A mais delicada crise e, ao mesmo tempo, a mais grave quanto
as consequências, é aquela que atinge o matrimônio. Todos percebem as
dificuldades que enfrentam os casais, no seu dia-a-dia. Fala-se, até, da crise
da instituição do matrimônio, pois, o problema afeta não apenas um significante
número de casais, mas a própria concepção do matrimônio. É uma crise
aguda com tendência de se expandir, devido aos processos culturais e ideias do
humanismo moderno, que acima de tudo, promove a felicidade subjetiva do
indivíduo.
O Catecismo da Igreja Católica, também, nos lembra que: “O
casamento está inscrito na própria natureza do homem e da mulher, conforme
saíram da mão do Criador. O casamento não é uma instituição simplesmente
humana, apesar das inúmeras variações que sofreu no curso dos séculos, nas
diferentes culturas, estruturas sociais e atitudes espirituais. Essas
diversidades não devem fazer esquecer os traços comuns e permanentes. (...)
Existe em todas as culturas, um certo sentido da grandeza da união matrimonial”
(1603).
A crise que atinge o Matrimônio e Família é uma crise de identidade do ser humano. A
imaturidade e desorientação do homem moderno são uma real ameaça do Matrimonio
e da Família. A grande maioria dos que decidem contrair o Sacramento do
Matrimônio, não têm consciência do
que é matrimônio e que tipo
de amor, constitui o seu fundamento. A preparação de noivos para o
matrimônio tornou-se um ato formal (uma das condições para “casar na igreja”) e
não atinge a mentalidade já formada (distante do espírito cristão do
matrimônio), até mesmo, porque o casamento já está marcado e “tudo já está
preparado”...
O amor é exigente
É necessário conscientizar a todos, que a vida matrimonial não é um
meio para encontrar a segurança e satisfação dos desejos, mas é um compromisso, uma aliança, uma
responsabilidade, que se assume com ”temor e tremor” (Flp 2,12-16). A
Igreja nos lembra através do Catecismo: “Deus, que criou o homem por amor, também o chamou para o amor, vocação fundamental e
inata de todo ser humano. Pois o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus, que é Amor. Tendo-os Deus criado homem e mulher, seu amor mútuo se torna
uma imagem do amor absoluto e indefectível de Deus pelo homem. Esse amor é bom,
muito bom, aos olhos do Criador” (1604).
Ser chamado “para o amor” significa estar disposto a oferecer-se a si mesmo pelo bem e pela felicidade do outro. Esta é natureza do amor revelado por Jesus Cristo. Amar matrimonialmente é, fazer a oblação da própria vida, amar como Cristo amou a humanidade. O matrimônio cristão é sinal do amor de Cristo (por isso é Sacramento, ou seja: sinal sagrado visível, sensível e eficaz), que deu a vida pela Igreja, e o amor de Cristo pela Igreja é sinal e modelo para o amor matrimonial. Durante a celebração do Matrimônio o presidente reza: “Ó Deus que, para revelar vosso plano de amor, quisestes prenunciar no amor do esposo e da esposa a aliança que contraístes com o vosso povo, assim, no matrimônio dos vossos fiéis, elevado à plenitude do sacramento, resplandece o mistério nupcial do Cristo e da Igreja” (Rito do Matrimônio – Bênção Nupcial).
Com toda razão disse “alguém” que “o amor não é chocolate”. E
não é. Ele não é para satisfazer paladares (qualquer tipo). O amor é exigente. Assim ensina Jesus
Cristo. E são Paulo, ciente disso, referindo-se ao amor conjugal diz: “Sede submissos uns aos outros no temor de
Cristo. As mulheres o sejam aos maridos, como ao Senhor. Pois o marido é a
cabeça da mulher, como Cristo também é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual
ele é o Salvador. Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo também amou a
Igreja e se entregou por ela” (Ef 5,21-23.25).
Provavelmente, muitos dos que aspiram casar “na igreja” não
sabem que não têm direito ao Sacramento,
pelo simples fato de querer coabitar, ou “legalizar” o seu relacionamento, pois
o Sacramento não é um dos direitos comuns da sociedade, mas é privilégio dos amigos de Deus, que
querem viver segundo a Sua Lei, em todas as situações de vida. Quando falta
esta consciência e esta disposição pode-se tratar do sacrilégio (grave
ato de impiedade que profana as coisas sagradas). A celebração torna-se um
teatro barato, em vez de ser espaço de nobre celebração das núpcias dos filhos
de Deus e da alegria “do Céu e da terra”.
“Não gosto mais de
você”.
Um dos argumentos mais frequentes para justificar a
separação matrimonial e o divórcio é um esvaziamento afetivo. Um “não
gosto mais de você” parece ter poder de legitimar a separação. Basta tal frase,
para destruir aliança, sonhos e, não poucas vezes, filhos inocentes, as maiores
vítimas destes dramas. Nestas ocasiões costumo dizer: “não é necessário gostar, mas necessário é amar”. Para isto foi
feita uma aliança (simbolizada pelo anel no dedo dos conjugues); para viver no
amor a exemplo de uma vela, que ao emitir a luz e o calor, consome-se a si
mesma.
As expectativas egoísticas das pessoas marcadas pelas
carências e traumas (vindas muitas vezes da infância) procuram ver o outro,
como potencial fonte para satisfazer as suas carências (geralmente
inconscientes) e alimentar a afetividade imatura. Infelizmente, os sentimentos
são muito instáveis. Mudam de uma hora para a outra. Portanto, não servem como
fundamento adequado para se construir uma vida. Seria uma construção sobre
areia... (Mt 7,26-27).
A aliança matrimonial, que constitui uma família, é um pacto
entre homem e mulher, um compromisso vital entre duas histórias de vida. Não é um “casamento dos sentimentos”,
que com o passar do tempo podem se alterar ou “morrer” e, vai restar: “não
gosto mais de você”. Na cerimônia da celebração do matrimônio os conjugues
dizem: “Eu (diz o nome) te recebo
(diz o nome) por minha esposa (por meu marido) e te prometo...”. Te recebo, como uma pessoa, como totalidade. Te
recebo para a minha vida, com tudo que você é. Recebo-te com teus sentimentos,
mas também com teus traumas e tuas carências. Enfim, recebo-te com toda tua
história e com a tua família.
A amor matrimonial no cotidiano expressa-se no labor do
dia-a-dia, na renúncia a si mesmo, suportar as fraquezas e defeitos do outro
(também dos filhos), na prontidão generosa para servir sempre, mesmo nas
indisposições pessoais. Quem se apoia apenas nos sentimentos não será capaz
amar deste jeito. Sem querer, será causa de sofrimento e de conflitos. Por
isso, os casais juram um ao outro o amor (não sentimentos) na
fidelidade e no respeito, em todas as circunstâncias de vida.
Ajudar a um “coitado”
A celebração do matrimônio deve ser precedida por um
adequado tempo de namoro, suficiente para se conhecer mutuamente (não deve ser
menos de um ano e mais de cinco anos). É extremamente importante este tempo,
até mesmo para os sentimentos se estabilizarem um pouco mais. O afloramento e
alimentação dos sentimentos tenderá para convivência sexual que, infelizmente,
é a pior opção para um namoro verdadeiro e responsável. Esta questão vamos
deixar para outra ocasião, pois agora gostaria de abordar a mal-entendida
compaixão, a “dor pelo coitado”, uma das causas de fragilidade matrimonial.
Geralmente, no fundo está a decisão antecipada para casar.
“Pula-se” tempo necessário para o namoro, não somente pela falta de controle afetiva
ou da sexualidade, mas também, pelo sentimento de infelicidade na casa dos
pais ou na vida pessoal, ou pela dor por enamorado, que “não é compreendido”
pelos outros, que está viciado de entorpecentes, que não tem iniciativa para
nada, que todos se aproveitam dele e é preciso ajudá-lo, etc. A criatura espera,
ilude-se que o próprio casamento vai solucionar estes problemas, seja pessoais,
seja do enamorado, e que isto a faria realizada por “salvar o coitado”.
Neste caso o matrimônio é uma fuga de casa ou da verdade
(sobre si mesmo e sobre o outro), em vez de ser uma decisão de amar, de fazer
doação de si mesmo. Depois do tal casamento “os olhos se abrem” e a realidade
“crua e nua” desmente sonhos de fantasia e expectativas sem fundamento. Percebe
que não ajudou a si mesmo e não ajudou ao “coitado”, que como tinha problemas,
continua tendo e, muitas vezes, ainda mais graves. Além da decepção resta o que?...
Como ajudar de
verdade?
Formar mentalidades, ajudar buscar o sentido concreto de
vida, ensinar a responsabilidade... Para isto Igreja possui vários meios. É
lamentável, que sobretudo hoje, a Igreja não consegue usar seus recursos efetivamente.
A sociedade se torna cada vez mais descristianizada e desacralizada, o que
impregna sobretudo as famílias. Mesmo tendo contato com as crianças e adolescentes
(depois da Crisma, só o “curso de noivos”), não é possível formar as mentalidades,
devido a pouco tempo que os pais oferecem (natação, inglês, música, caratê,
chácara, etc.) e a força dos hábitos familiares que “imunizam” os filhos ao que
é difícil.
Nestas circunstâncias a Igreja tenta prevenir e impedir as
celebrações de matrimônios, diante das evidentes situações problemáticas, que, potencialmente
resultarão em separação. Os sacerdotes que têm por dever (párocos e vigários)
qualificar os candidatos para o matrimonio (Processo Matrimonial), devem rigorosamente verificar a sua maturidade e
as suas motivações. Não devem permitir a celebração dos matrimônios
inválidos, por qualquer motivo que seja. Mesmo que sejam chantageados ou
ameaçados. A mais comum chantagem é: “se o senhor não fizer o nosso casamento,
nós vamos viver em pecado e a culpa vais ser sua”. Deve-se compreender, que o
padre, quando realiza a qualificação para o matrimônio está preocupado
exclusivamente com bem do casal e com durabilidade da sua união. Por isso, as
vezes pode pedir o adiamento da celebração do matrimônio, ou até aconselhar a desistir
desta ideia. Neste caso, não deve ser acusado “que não quer”, mas deve ser compreendido
pois “não pode”. Esta é uma grande responsabilidade diante de Deus, da Igreja e
da sociedade, devido as graves consequências da união possivelmente inválida.
Na verdade, até mesmo uma preparação boa para o matrimônio
não garante seu sucesso e não fará com que os casais se tronarão ideais,
isentos de crises. As crises fazem parte da vida e não precisam ser sinais
de “incompatibilidade de temperamentos” (pois é na diferença que acontece o
complemento e crescimento) como argumento para a separação. Superadas as
crises, através de diálogo, oração, orientação das pessoas capacitadas, os
casais se motivam para maior esforço de controlar a si mesmos e contribuir para
a maturidade dos relacionamentos e crescimento do amor recíproco. Faz bem
lembrar que a vida não é uma brincadeira e o amor não é chocolate...
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