A
Misericórdia de Deus e os pecadores
(Comunhão sacramental, divorciados e
recasados, pecado)
Depois
do Concílio Vat. II a Igreja vem acentuando mais corajosamente e mais
claramente a Misericórdia de Deus, como expressão principal do Seu Amor.
Ouve-se muito sobre a amor universal e incondicional de Deus. O Ano da
Misericórdia, com a sua iniciativa do ofício de “missionários da misericórdia”,
instituído pelo Papa Francisco, despertou, ainda mais, o interesse pela
possível mudança no exercício de misericórdia ministrado pela Igreja.
Começou-se a questionar, com mais frequência, a disciplina da Igreja acerca
desta questão e postular ou, até, “exigir” que todos possam obter a misericórdia
Divina e o perdão, o que significa a comunhão com Deus pois, como dizem, “Jesus
Cristo o faria”. Portanto, se “Jesus Cristo o faria”, por que, então, a Igreja
impede (exclui da Comunhão da Misericórdia) que todos vivam em paz e com a
consciência tranquila? Não seria, exatamente, este um gesto de amor e um ato de
misericórdia, que a Igreja proclama constantemente?
Tais
questionamentos são levantados de várias maneiras (no íntimo das pessoas, nas
conversas ou através da escrita) e em diversos ambientes (família, escola,
ambientes de trabalho, Igreja). Inclusive o último Sínodo dos Bispos, em Roma
(2015) e a Exortação Pós-Sinodal da Papa Francisco “Amoris Laetitia” revelam a
grande preocupação da Igreja com relação a comunhão e pecado. Tudo isto mostra
a importância e complexidade da problemática do pecado e da vida sacramental.
Perguntemos,
então: é justo ou injusto impedir alguém a viver a Graça dos Sacramentos? É
justo que alguém que sofre (seja qual for a causa) não possa receber da
misericórdia de Deus o conforto e consolo, através dos Sacramentos? A Igreja,
realmente, impede alguém a beneficiar-se da Misericórdia de Deus?
A
justiça.
Antes de
respondermos, vamos o que é a justiça. O conceito de justiça tem a sua origem
na língua latina (“iustitia”) e refere-se a uma das quatro virtudes cardeais.
Significa uma constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes é devido.
A justiça é aquilo que se deve fazer de acordo com o direito, a razão e a
equidade. A justiça refere-se, também, ao Poder Judicial e à pena ou ao
castigo. Quando a sociedade “pede justiça”, pede que o Estado faça com que um
crime seja julgado e castigado com a pena merecida, de acordo com a lei
vigente.
No
sentido religioso, a justiça é um dos atributos de Deus. “Deus é justo”
significa que retribui a cada um conforme o bem e o mal que tem feito (Mt
25,31-46; Rom 2,6; Hb 11,6ss; 1Pd 1,17). No entanto, esta justiça é
radicalmente diferente da justiça humana, pois, exercida pelo Amor, quer salvar
o homem e não condená-lo.
O
Catecismo da Igreja (1988-1992) lembra que no Espírito de Deus que recebemos,
como cristãos, “tomamos parte na paixão de Cristo, morrendo para o pecado, e na
sua ressurreição, nascendo para uma vida nova...” (2Pd 1,2-4). A primeira obra
da graça do Espírito Santo é a conversão, que opera a justificação, segundo a
mensagem de Jesus no princípio do Evangelho: «Convertei-vos, que está perto o
Reino dos céus» (Mt 4,17). Sob a moção da graça, o homem volta-se para Deus e
desvia-se do pecado, acolhendo assim o perdão e a justiça do Alto. ´A
justificação comporta, portanto, a remissão dos pecados, a santificação e a
renovação do homem interior´ (Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, c.7: DS 1528). [No 1989]
A
justificação desliga o homem do pecado, que está em contradição com o amor de
Deus, e purifica-lhe o coração. A justificação continua a iniciativa da
misericórdia de Deus, que oferece o perdão; reconcilia o homem com Deus;
liberta-o da escravidão do pecado e cura-o. [No 1990]
Retomando
a questão perguntamos: É justo tratar todos igualmente? Parece que a resposta
já não é tão óbvia. Será que, quem vive “descansado” deve receber salário igual
ao que trabalha com dedicação? Quem estuda e aprende dever receber a mesma nota
quem nada aprendeu? Será que Deus tratará todos igualmente e a todos vai levar
para o Céu (intima e profunda comunhão da alma com Deus)? Mesmo aqueles que
nada quiseram saber d´Ele durante a sua vida, tratando-O como que não
existisse?
Talvez
seja bom lembrar, aqui, a parábola Jesus (Mt 22,1-14), que narra a triste sorte
de alguém que entrou numa Festa, não estando devidamente preparado (trajado), o
que com evidência mostra que não pode haver a mesma sorte para os que fazem e
os que não fazem, o que deveria ser feito (Cf. Ap 19,8). Uma outra parábola é
igualmente significativa (Lc 14,15-24) e diz, que aquele que recusa o convite
de fazer parte da alegria do Rei, não terá uma outra chance: “eu vos digo:
nenhum daqueles que foram convidados provará do meu banquete” (v.24). A decisão
de recusa acarreta consequências e, neste caso, a perda para sempre. Não haverá
mais portunidade.
A
Misericórdia de Deus
O verbo
“misericórdia” significa o amor cordial (do latim: miseratio=compaixão +
cordis=coração). A Misericórdia Divina e a Justiça Divina expressam o mesmo
“rosto” do Deus-Amor. A Justiça Divina é a Sua Misericórdia e, a Misericórdia é
a Justiça de Deus, que justifica e não condena um ser humano, se este, ao
reconhecer o erro se arrepende e decide retornar aos braços do Pai, como o
evangélico “filho pródigo” (Lc 15,17-24).
Deus
sempre amará e justificará os seres humanos. O homem, porém, tem poder de “não
querer” viver no âmbito deste Amor, preferindo outros caminhos. A sua
preferência pode ser o amor próprio, o consumismo, o hedonismo, o “ser como
deus”... (Gen 3,5). Neste caso, o Deus Todo-poderoso vai se tornar o “Deus
impotente”. Não poderá realizar o seu Plano de Amor. Não poderá justificar. Não
poderá fazer nada diante de tal decisão do livre arbítrio do homem, pois a
liberdade é dom de Deus e constitui a dignidade humana.
As
pessoas que entram no mundo do pecado e decidem permanecer n´ele, como por
ex. viver uma união ilegítima (“hétero”
ou “homo”) fazem uma escolha livre. Fazem uma opção, uma preferência, deixado
ao lado (abandonando) o projeto de Deus, de viver uma união “pró-vida”. Tomam
esta decisão sabendo das consequências (como o sabiam Eva e Adão – Gn 3,3),
aventurando-se para realizar o seu próprio projeto, oposto ao de Deus. Enquanto
isso, a Sagrada Escritura diz: “Sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). A união
ilegítima, não sacramental, na luz da Sagrada Escritura é chamada de adultério
(Mc 10,6-12; Lc 16,18; Mt 5,32).
Esta não
é apenas uma norma disciplinar da Igreja (para que se possa dizer: “a Igreja
não permite... a Igreja deveria compreender, deveria ter misericórdia”), que
pode ser por Ela dispensada, como por ex. o celibato clerical. É a eterna Lei
da Vida (Gen 2,16-17). Fora de Deus não há vida. Somente o vazio, a morte.
Nenhuma bênção “poderosa”, nenhum balde de água benta, nenhuma “oração de cura”
ou até mesmo os Sacramentos, são capazes de trazer novamente a vida, a não ser
uma sincera e autêntica conversão a Deus.
A
conversão.
A
condição indispensável de viver a Comunhão de Vida é a conversão. Ou seja, é
necessário abandonar o projeto próprio de vida (destrutivo) e assumir o Projeto
de Deus. Dos dois caminhos, só um se pode escolher e seguir. Por isso, a
Sagrada Escritura constantemente clama: “Convertei-vos...”. Jesus Cristo, ao
iniciar a Obra também chamava a conversão e arrependimento, como condição de
seguir o Caminho da Vida (Mc 1,14-15). O ícone desta verdade encontramos na
mencionada já parábola do “filho pródigo” (Lc 15,11-32) ou o episódio do
bandido crucificado juntamente com Jesus Cristo (Lc 23,40-43).
Na vida
de Adão e Eva, do Livro de Gênesis, vemos que a Comunhão com Deus pode ser trocada
(desprezada como tal) imprudentemente, por algo fútil. Uma escolha arbitrária,
teimosa e egoística que, obcecada pelos impulsos da vontade própria, não mede
as consequências, pode ser dramática. Deus do Antigo Testamento e do Novo
Testamento é o mesmo Deus. Na Sua Misericórdia não deixa a morte reinar depois
da desobediência, no entanto, a vida já não será a mesma. Ficou atingida.
Tornou-se diferente. Ficou desfigurada pelo pecado.
Deve-se
lembrar que, o retorno constante à vida em pecado (incluindo o pecado venial)
tem efeito de uma anestesia que, eliminando a dor da consciência, permite a
morte expandir-se na vida da gente. A consciência e razão alertam para não
entrar no mundo da desobediência, mas o resto do homem (corpo, sentidos,
afetividade), anestesiados, “gritam de fome pelo pecado”.
O texto
clássico da Sagrada Escritura que mostra que o ser humano é responsável pelas
suas escolhas e vai acarretar as consequências delas, está no Livro de
Deuteronômio: “Veja: hoje eu estou colocando diante de você a vida e a
felicidade, a morte e a desgraça. Se você obedecer aos mandamentos de Javé seu
Deus, que hoje lhe ordeno, amando a Javé seu Deus, andando em seus caminhos e
observando os seus mandamentos, estatutos e normas, você viverá e se
multiplicará. Javé seu Deus o abençoará na terra onde você está entrando para
tomar posse dela. Todavia, se o seu coração se desviar e você não obedecer, se
você se deixar seduzir e adorar e servir a outros deuses, eu hoje lhe declaro:
é certo que vocês perecerão! Vocês não prolongarão seus dias sobre a terra,
onde estão entrando, ao atravessar o Jordão, para dela tomar posse. Hoje eu
tomo o céu e a terra como testemunhas contra vocês: eu lhe propus a vida ou a
morte, a bênção ou a maldição. Escolha, portanto, a vida, para que você e seus
descendentes possam viver, amando a Javé seu Deus, obedecendo-lhe e apegando-se
a ele, porque ele é a sua vida e o prolongamento de seus dias” (Dt 30,15-20).
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