quinta-feira, 8 de maio de 2014

Igreja & desobediência

A Igreja é uma Comunidade, uma Família unida, composta de crentes em Deus Amor e, também, um Corpo misterioso ou místico (1Cor 12,12; Cl 1,18; Ef 5,23; Rom 12,4-5).
Num corpo qualquer cada membro tem sua função própria. Cada um deve desempenhá-la bem, para harmonia e equilíbrio do corpo todo. Igualmente na Igreja. As pessoas são diferentes. Cada uma tem sua história, seus sonhos, suas tendências, enfim, sua vocação. É óbvio que, numa realidade tão vasta, com freqüência manifestam-se fenômenos de “incompatibilidade de caráteres”. Manifestam-se diversos conflitos.
E o que fazer? Fazer de tudo para manter a unidade, mesmo no meio de conflitos. A unidade na diversidade. A melhor maneira de buscar a unidade é voltar-se a harmonia no exercício das funções próprias de cada um. Assim como num corpo qualquer, cada órgão ou célula contribui para o benefício geral, quando desempenha corretamente o seu papel. Todos e cada um ficam beneficiados quando cada um cumpre bem as suas funções. Os problemas e conflitos aparecem e, se agravam, quando há falhas neste funcionamento, quando começam a brotar as “sementes da mania de grandeza”
Na Igreja não deveria ser assim (Mc 10,42-45). É óbvio. Não deveria, mas... acontece e, com frequência nada invejável. Acontece e vai acontecer sempre, porque a Igreja, mesmo sendo Santa, é ao mesmo tempo portadora das fraquezas humanas. (A Igreja é Santa, mas não por si mesma, pois só Deus é Santo. [É Santa porque é Corpo Místico de Cristo (1Cor 12,12; Cl 1,18) e o Espírito Santo habita n’Ela (1Col 3,17; 6,19; Ef 2, 21)].
Deus, que ama muito a Igreja, lhe confia a tarefa de transmitir a Boa Nova e dar testemunho dela, sobretudo com a própria vida. Infelizmente, muitas vezes esta tarefa é descumprida pelos homens da Igreja, por esta razão a Igreja de Jesus Cristo é, também, Igreja de pecadores. Comunidade de homens que se extraviam no caminho, que traem o amor, que quebram a Aliança do Batismo, que permitem o mal se propagar e até o praticam. Por isso, necessitam de perdão e de misericórdia de Deus, para serem, por sua vez, misericordiosos com os outros. Precisam de conversão contínua.

Estas considerações me parecem importantes para compreender corretamente o espírito da obediência na Igreja de Cristo. Não é uma obediência de escravos ou de soldados dum quartel. Esta é uma obediência livre e dócil, porque assumida na confiança ao Amor e a Providência Divina. Não é imposta por Deus, mas é proposta como caminho para liberdade plena, vivida por Filho do Homem (Jo 6,38).
Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC) obedecer (lat. "ob-audire") na fé significa “submeter-se livremente à palavra ouvida... Desta obediência, Abraão é o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe, e a Virgem Maria, sua mais perfeita realização” (CIC §144). 
Nesta obediência se modela a obediência de todos batizados. “Feito membro da Igreja, o batizado não pertence mais a si mesmo, mas àquele que morreu e ressuscitou por nós. Logo, é chamado a submeter-se aos outros, a servi-los na comunhão da Igreja, a ser "obediente e dócil" aos chefes da Igreja e a considerá-los com respeito e afeição. Assim como o Batismo é a fonte de responsabilidades e de deveres, o batizado também goza de direitos dentro da Igreja: de receber os sacramentos, de ser alimentado com a Palavra de Deus e de ser sustentado pelos outros auxílios espirituais da Igreja. (CIC §1269).
Se a obediência de todos os batizados é assim, a obediência dos homens da igreja (presbíteros e religiosos(as)) deve ser mais perfeita ainda. "Solícitos cooperadores da ordem episcopal, seu auxílio e instrumento, chamados para servir ao povo de Deus, os sacerdotes formam com seu Bispo um único presbitério, empenhados, porém, em diversos ofícios. Em cada comunidade local de fiéis, tornam presente de certo modo o Bispo, ao qual se associam com coração confiante e generoso. Assumem, como próprias, as funções e as solicitudes do Bispo e as exercem em seu empenho cotidiano pelos fiéis. Os presbíteros só podem exercer seu ministério na dependência do Bispo e em comunhão com ele. A promessa de obediência que fazem ao Bispo no momento da ordenação e o ósculo da paz do Bispo no fim da liturgia da ordenação significam que o bispo os considera como seus colaboradores, filhos, irmãos e amigos, e em troca eles lhe devem amor e obediência” (CIC §1567).
Um desobediente homem da Igreja (não se trata de um ato isolado, como fraqueza momentânea) é um infeliz na vida pessoal e um parasito na Comunidade Eclesial. Com tal homem ninguém pode contar, pois ele pensa só em si e nos seus próprios interesses. Como é escandaloso tal testemunho! Exteriormente faz parte da Comunidade que foi instituída para servir, no entanto, interiormente só pensa em si e serve a si mesmo. Isto é uma verdadeira escravidão, o “cativeiro do Egito” (Ex 1,1ss).
Segundo o Catecismo da Igreja Católica há uma estreita correlação entre a obediência e a liberdade. Na medida em que uma pessoa se torna livre, se empenha, cada vez mais, na pratica do bem. Ou seja, não pensa em si mesma, mas no outro a quem faz o bem. “Não há verdadeira liberdade a não ser a serviço do bem e da justiça. A escolha da desobediência e do mal é um abuso de liberdade e conduz à "escravidão do pecado" (CIC §1733).
Assim, se torna evidente a necessidade de obediência filial na Igreja. A desobediência é um mal. Atinge primeiramente a quem a pratica, mas as suas conseqüências podem ir muito longe. Basta lembrar o pecado de Adão (Gn 1,26-27) e as suas conseqüências posteriores (Gn 4), ou pecado de Davi (2Sm 11) com as conseqüências tristes.
É preciso dizer claramente que a desobediência é pecado. E, ainda, raiz de outros pecados. É a causa de desordem (Gn 3). O Catecismo diz: “O pecado ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os nossos corações. Como o primeiro pecado, é uma desobediência, uma revolta contra Deus, por vontade de tornar-se "como deuses", conhecendo e determinando o bem e o mal (Gn 3,5). O pecado é, portanto, "amor de si mesmo até o desprezo de Deus". Por essa exaltação orgulhosa de si, o pecado é diametralmente contrário à obediência de Jesus, que realiza a salvação (CIC 1850).

“Todos os homens estão implicados no pecado de Adão. São Paulo o afirma: "Pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores" (Rom 5,19). "Como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, assim a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram..." (Rom 5,12). A universalidade do pecado e da morte o Apóstolo opõe a universalidade da salvação em Cristo: "Assim como da falta de um só resultou a condenação de todos os homens, do mesmo modo, da obra de justiça de um só (a de Cristo), resultou para todos os homens justificação que traz a vida" (Rom 5,18) (CIC 402).
O espírito de materialismo, comodismo, hedonismo, também dentro da Igreja, alimenta o amor próprio e leva o homem fora de si. Encerra-o no mundo exclusivamente material, no qual busca a sua realização e felicidade. Faz com que homem sente-se centro do mundo. A vontade própria se torna único critério dos desejos e das atitudes. Tudo tem de estar às suas ordens, até mesmo Deus deve fazer “o que eu preciso”. O seu lema é: “Eu quero, eu posso, eu faço”. Obviamente, pode-se viver assim, mas deve-se levar em conta as consequências. Deus tolera a desobediência, mas o desobediente não encontrará lugar ao Seu lado (Ap 3,15-17), porque o caminho que segue é uma ilusão e vai levá-lo ao beco sem saída.
Não faltam escândalos e dramas causados pela desobediência. Sem exagero, pode-se dizer que todos os males, que o mundo e a Igreja vêm sofrendo, ao decorrer da sua longa história, têm raízes na desobediência. No mundo, o espírito de desobediência responde pelas guerras, perseguições, injustiças, fome, etc. E na Igreja, este espírito leva às cismas, heresias, divisões, violências, diversos abusos e todo tipo de escândalos. Trata-se da desobediência espiritual (ao espírito da vocação batismal ou religiosa) e da institucional (àqueles que foram instituídos chefes da Igreja).
A desobediência pode ser explícita (rebeldia em forma declarada) como descumprimento de obrigações decorrentes do ofício assumido ou votos religiosos, criação de estilos de vida sem consentimento do bispo, resistência a transferência do lugar de residência. Pode ser também implícita, mas igualmente destrutiva, vivida aparentemente como obediência correta, ou até exemplar (desobediência às Normas Litúrgicas, pastoral individualista, ausências injustificadas nos encontros de unidade eclesial, manifestações ostentativas de descontentamento, pertença aos grupos políticos e outros que negam a doutrina da Igreja ou organizações maçônicas).

As chagas causadas pelos lefebristas, sedevacantistas e outros desobedientes, até hoje fazem a Igreja sangrar e permanecer dividida. Desgastam-se energias e recursos materiais para defender as próprias ideias individualistas, em vez de se empenhar na evangelização, em comunhão com toda Igreja.
Não faltam desobedientes e rebeldes, também, em Anápolis. Alguns individualmente seguem o “caminho da salvação” (talvez queiram salvar-se da obediência) outros, juntando correligionários criam grupos de “vida perfeita de Igreja” e fazem a lavagem cerebral das pessoas de boa vontade, que sinceramente buscam a Deus, porque de nenhum outro modo poderiam atraí-las, a não ser enganando. Isto é muito grave. Tanto mais grave que revestido de santidade. A santidade verdadeira, porém, não existe onde há conflito com a Igreja.
Poder-se-ia esperar que no século XXI, pelo menos os crentes da Igreja sejam mais próximos ao Evangelho Encarnado e pregado. Como nunca antes eles têm a disposição várias conquistas e auxílios, em todas as áreas de vida, incluindo a teologia e a catequese. Têm acesso a verdade. O mundo ansiosamente espera que testemunhem o Evangelho, numa bela unidade fundamentada na obediência (Rom 8,19), a exemplo do próprio Jesus Cristo (Jo 5,30; 5,17-30). Infelizmente, ainda é longe para este sonho se concretizar. Muitas vezes acontece o contrário.
O valor de vida do cristão não consiste no lugar que ocupa na sociedade (civil ou religiosa), mas na maneira de como desempenha o seu papel, de como ele vive, submetendo-se a obediência de fé (Rom 1,5; 16,19.26) e do amor (Jo 14,15). Consiste na medida em que está ligado à “Videira” (Jo 15,1-8), na medida de sua união com a Cabeça (1Cor 12; Col 1,18;), na quantidade de vigor que anima a sua vida. São estes valores que deve buscar e promover para não ser um hipócrita e escandalizador dos inocentes (Mt 18,6-7; Lc 17, 1-2).

Oportunamente refletiremos sobre o valor de obediência cristã, madura e responsável.

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